2004-12-18

A teoria política de Oakeshott

Michael Oakeshott foi caracterizado como um conservador e como um liberal. Na sua teoria política encontram-se presentes ambos os elementos. Foi conservador na clareza com que sempre expôs o carácter histórico do ethos, dos costumes normativos sociais e dos hábitos individuais. A tradição é um processo histórico, não uma verdade metafísica: os hábitos e as instituições que definem os modos de governação das diferentes sociedades não são unidades racionais nem colecções fortuitas — são composições históricas e a sobrevivência de uma determinada prática social ou instituição explica-se porque ela satisfaz uma necessidade humana. As instituições sociais que sobreviveram são adequadas, familiares e essa familiaridade gera conforto e cria uma disposição a mantê-las. Oakeshott caracterizou a disposição para manter o que é satisfatório como a “disposição conservadora”.

Oakeshott também pode ser considerado liberal, mas pouco tem em comum com os principais defensores do liberalismo. Rejeitou sempre o individualismo abstracto, preferindo falar da “tradição da democracia representativa” e não de “doutrinas”, que considerava como “abreviações” ambíguas na linguagem e perigosas nos propósitos instrumentais de “progresso” e perfectibilidade humana. Para Oakeshott as “ideologias” políticas são formulações “racionalistas” e selectivas de princípios abstractos, desligados de qualquer reflexão sobre o contexto social e a tradição, meras “cartilhas abreviadas” utilizadas pelos defensores da lógica da engenharia social.

O principal perigo da lógica racionalista é a concepção do Estado como uma organização, cujo propósito justificativo único é a obtenção de “progresso”. O agente motivador e organizador da empresa é o governo. A actividade do governo é entendida como a organização da actividade humana com o propósito de alcançar a perfeição. O governo deixa de ser um agente auxiliar do progresso para se constituir como o promotor, organizador e inspirador dessa empresa. A perfeição não é atingível através de reformas e melhorias graduais: só o progresso utópico é susceptível de produzir a condição desejada, que corresponde forçosamente a um estado de coisas compreensivo e identificável de forma única. Pouco importa se é uma visão "inspirada" do que constitui o “bem comum”, ou a conclusão de um argumento racional: em qualquer os casos a actividade do governo é ilimitada e este é omnicompetente, embora não necessariamente absoluto — o absolutismo é uma doutrina sobre a legitimidade do governo.

Esta visão do papel do Estado é o oposto lógico da “associação civil”. Trata-se de um modo de associação idealizado, não no sentido da perfeição mas no sentido da abstracção das particularidades dos estados existentes e que se define através do estabelecimento de uma relação de civilidade entre os respectivos membros: o primado da lei.

A associação civil define uma prática moral de relacionamento humano. Uma prática moral designa um sistema de leis, deliberadamente criado para regular a conduta humana. Esse sistema de leis é definido através de uma composição de regras não instrumentais, de normas de conduta sem objectivos substantivos extrínsecos, de formas de adjudicação e interpretação normativa e de um quadro sancionatório. O sistema de leis da associação civil permite que cada indivíduo possa escolher livremente os seus objectivos, impedindo as interferências arbitrárias decorrentes dos interesses de outros.

A civitas refere-se a esta condição ideal de associação, nunca inteiramente realizada em estados concretos, onde os indivíduos unidos pelo reconhecimento mútuo da jurisdição das normas constituintes da associação civil (a cives) não têm uma relação hierárquica nem funcional entre si. A respublica designa o domínio público da civitas; não o domínio comum. Os estados europeus são composições históricas onde os dois elementos opostos de associação empresarial e civil coexistem, mas o primado da lei é intrínseco apenas à lógica de associação civil.

Margaret Thatcher considerava-o o ”principal filósofo conservador”, mas Oakeshott nunca recomendou o conservadorismo político, nem tão pouco endossou o partido Tory. Para Oakeshott o conservadorismo era uma disposição presente na conduta humana, não uma forma concreta de actividade política. Conforme escreveu Robert A. D. Grant em Oakeshott (1990):
“Oakeshott’s version [of conservatism], though broadly in tune with the tacit, unreflecting conservatism of the ordinary man, is also ill-calculated to appeal to official Conservatism, various though that may be. Too indifferent to establishment and hierarchy for the High Tory, it is also too sceptical for the moralist, too liberal for the populist, too principled for the mere pragmatist, and too divergent from whatever contradictory priorities (e.g. wealth-creation and moral restorationism – may be supposed fitfully to animate the current British and American administrations.”
Se adicionalmente, se considerar a modéstia de Oakeshott e a sua aversão a alguns aspectos da academia contemporânea compreende-se melhor por que razão o seu nome é muito menos citado do que Rawls, Nozick ou Habermas. Se tiver interesse em conhecer mais sobre a vida e obra de Michael Oakeshott, sugiro que comece por este site.

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