Estreou na Quinta feira o filme Alexandre, o Grande, do realizador Oliver Stone. A ambição de grandeza de Stone fica evidente logo no plano inicial do filme, da morte de Alexandre Magno: o anel que lhe cai das mãos nesse momento é uma chave simbólica da vida do conquistador macedónio, um “Rosebud”. A partir daí Stone inicia uma narrativa biográfica circular, que nos devolve ao ponto inicial/final da morte de Alexandre. Mas Stone não é Orson Welles e o filme está longe do brilhantismo formal de Nixon ou de Natural Born Killers. A estreia foi precedida por uma conveniente dose de polémica. É bom para a publicidade, dará motivo para discussões públicas e animará uma ou outra conferência académica.
Oliver Stone começa por “desconstruir” Alexandre, recorrendo ao psiquismo freudiano e transpondo para o plano comportamental da sexualidade a divisão afectiva que a rivalidade entre os pais teria causado. Reconheço que uma das poucas formas de tornar o complexo de Édipo credível é com Angelina Jolie no papel de mãe, mas a sugestão de Alexandre entregue à conquista da Ásia para “fugir à mãezinha” é ridícula.
Depois há as acusações de “infidelidade” e “inexactidão” histórica. É certo que os tempos da Grande Narrativa já lá vão e a verdade é uma coisa “antiga” — o relativismo contemporâneo não se atreve sequer a mencionar a palavra sem a rodear de uma boa dose de aspas. Porém, o historiador de Oxford Robin Lane Fox, autor de uma biografia de Alexandre e que colaborou na rodagem do filme, menciona em artigo da New York Times que “nenhum dos vinte relatos da vida de Alexandre escritos por contemporâneos sobreviveu. As crónicas mais antigas foram escritas quatro séculos (ou mais) após a sua morte”. O que arruma a questão da separação entre história e mito: no caso de Alexandre são indissociáveis.
Finalmente, num filme de Oliver Stone é sempre de esperar um argumento politicamente armadilhado, uma visão eticamente niilista dos EUA. Se a “crítica anti-americana” está lá e é duvidoso que esteja, está ao nível subliminar e cada um “vê o que quer ver”. Para os críticos da política externa do presidente Bush (note-se que a batalha decisiva das tropas de Alexandre com as de Dário III teve lugar no actual território do Iraque), o filme constrói uma imagem “multiculturalista” de Alexandre, dominador da Ásia mas tolerante para com os costumes e as particularidades, ao contrário do “conquistador” da actualidade e do "seu" globalismo capitalista e intolerante. Mas os defensores da política externa americana de “difusão da democracia” também podem argumentar que a ocupação do Iraque, enquanto tentativa de neo-síntese entre a democracia liberal ocidental e a sociedade islâmica é análoga à aculturação helénica dos barbarismos asiáticos do tempo de Alexandre.
Independentemente das polémicas e até da própria qualidade mediana do filme, este tem pelo menos uma “virtude” política: sublinha o carácter historicamente decisivo da aspiração à grandeza. Porque essa aspiração esteve presente em toda a curta vida de Alexandre Magno, que aos vinte e cinco anos governava a maior parte do mundo conhecido, milhares de anos depois da sua morte continua a ser uma referência central na história mundial. Daqui por cinco ou dez anos poucos se recordarão dos nomes dos autores da trapalhada constitucional europeia. Em última análise, o que transforma um acto político num acto histórico é a megalothymia.
2004-12-05
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