O Primeiro-ministro Santana Lopes declarou ontem em Bruxelas que um referendo nacional sobre a possibilidade de adesão da Turquia é desnecessário. Citando o Diário de Notícias: «não é um assunto polémico em Portugal, um país tolerante, aberto em relação às possibilidades de adesão de outros Estados, um país adepto do multiculturalismo», razão pela qual não se justifica a realização de qualquer consulta desta natureza.
O termo "multiculturalismo" tem significado(s) e conteúdo(s) concretos na teoria política. O Primeiro-ministro aparentemente supõe que o "multiculturalismo" é uma espécie de tolerância liberal, que permite a coexistência social pacífica entre cidadãos de diferentes proveniências geográficas. Não é. Quando o Dr. Santana Lopes fala num "Portugal multiculturalista" não se limita a dizer um disparate: anuncia a sua sólida ignorância em teoria política. Só mesmo os relativistas do Bloco de Esquerda se atreveriam, nos seus sonhos mais desvairados, a declarar Portugal como um país "multiculturalista".
Se ignorarmos o disparate, há uma lógica interessante implícita na declaração do Primeiro-ministro: Santana Lopes sugere que o referendo não é necessário porque o seu "conhecimento sociológico" do país lhe permite antecipar o resultado e tomar decisões políticas consistentes com essa expectativa.
Uma aplicação imediata do mesmo princípio: Portugal é um país esmagadoramente católico, logo, dispense-se um segundo referendo sobre o aborto. Dará certamente o mesmo resultado que o primeiro. A decisão política coerente com essa "expectativa sociológica" é a manutenção da actual lei que regula a interrupção voluntária da gravidez.
Mas pode-se ir ainda mais longe e poupar os vetustos magistrados do Tribunal Constitucional a mais canseiras: Portugal pode ser um "país-isto" ou um "país-aquilo", mas é, primeiramente, um país e a "expectativa razoável" do ponto de vista sociológico é que deseje continuar a sê-lo. Logo, dispense-se o referendo sobre um tratado constitucional que a curto ou médio prazo conduzirá à extinção dos últimos vestígios de soberania nacional. Novamente, a "expectativa sociológica" implicaria a rejeição política do tratado constitucional. A lógica do Primeiro-ministro, na sua absurda concatenação de disparates, sugere afinal de contas, a solução para inúmeras trapalhadas.
2004-12-18
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