2004-01-29

Moção da Assembleia Blogal do Picuinhices

Reunida a Assembleia Blogal do Picuinhices, com a presença do presidente da Assembleia e com a ausência justificada do Sr. Disblogue, foi apresentada e aprovada por unanimidade a seguinte moção:
Tendo em conta a crise económica em que o país vive, bem como a forma criteriosa como os dinheiros públicos (leia-se, retirados aos portugueses por intermédio dos impostos) devem ser gastos, deliberou esta assembleia dirigir à Assembleia Municipal de Lisboa as seguintes questões:
  1. A publicação de 11 (onze) moções da Assembleia Municipal de Lisboa no Diário de Notícias do dia 29 de Janeiro de 2004 era mesmo necessária?
  2. É atribuição da Assembleia Municipal de Lisboa propôr uma alteração legislativa que permita o aborto livre "até às 12 semanas, a pedido da mulher, para uma maternidade consciente e para protecção da saúde da mulher", enquanto exprime "solidariedade para com as mulheres acusadas da prática de aborto em julgamento no tribunal de Aveiro"?
  3. É atribuição da Assembleia Municipal de Lisboa pronunciar-se sobre o agravamento das "desiguldades sociais e [do] nível de vida", que "conduzirão inexoravelmente ao aumento da pobreza e da exclusão social", causados pelos aumentos de preços?
  4. É atribuição da Assembleia Municipal de Lisboa pronunciar-se "no sentido de [...] sensibilizar [os representantes de todos os partidos na Assembleia da República] para esta injustiça de os mais poderosos serem aqueles que menos impostos pagam", sendo "os mais poderosos" "a banca"?
  5. É atribuição da Assembleia Municipal de Lisboa pronunciar-se sobre o congelamento dos ordenados da função pública e a retirada de "poder de compra aos trabalhadores", e manifestar apoio "aos trabalhadores na sua luta contra esta situação que degrada a sua qualidade de vida"?
  6. É atribuição da Assembleia Municipal de Lisboa pronunciar-se sobre a "macrocefalia" do aparelho de estado a pretexto do não pagamento de impostos municipais por parte de edifícios estatais?
  7. Não seria preferível que a Assembleia Municipal de Lisboa se dedicasse às razões da sua existência, nomeadamente restringindo-se às suas competências, conforme estabelecidas pelo Artigo 53º da Lei 169/99?
Deliberou ainda que esta moção fosse publicada no blogue oficial "Picuinhices".

O Presidente da Assembleia Blogal do Picuinhices

Picuinhas

Um grande veleiro

Segundo o DN, a Polícia Judiária apreendeu 6 000 toneladas de haxixe que viajavam a bordo de um veleiro. Isso, 6 000 toneladas. Tendo em conta que a Sagres desloca 2 116 toneladas, imagino o tamanho do veleiro e compreendo, finalmente, por que razão foi necessário usar um submarino da Marinha e fusileiros para o interceptar.

Temos ministra?

A nova ministra da Ciência e do Ensino Superior propôs a liberalização da fixação do número de vagas dos cursos superiores e das respectivas provas de acesso. São duas excelentes medidas. O ensino superior precisa de autonomia, pois só assim se pode ter instituições verdadeiramente responsáveis. O problema que a liberalização das provas de acesso coloca é apenas a sua proliferação, resultando em trabalho acrescido para o candidato ao ensino superior. Mas julgo que é um falso problema: as instituições saberão organizar-se de modo a estabelecerem provas comuns a pelo menos algumas delas. Não só farão as provas exactamente como julgam que elas devem ser feitas, como as farão melhor que qualquer comissão do ministério.

Como pontos negativos destas novas propostas há o prazo para a entrada em vigor, prevista apenas para 2007, e a reserva da possibilidade de o ministério da educação fixar o número de vagas na totalidade do ensino superior, o que poderia inviabilizar totalmente a liberalização pretendida. Não se vê como podem as escolas, autonomamente, repartir entre si um bolo decidido centralmente. Tenhamos a esperança que este resquício de centralismo venha a ser abandonado e que a reforma entre em vigor antes de 2007.

2004-01-28

Verdades incómodas

Segundo a SIC Online, Miguel Cadilhe disse num jantar-conferência que
"A Expo'98 é uma enormidade" e o mesmo se pode dizer dos "10 estádios do Euro2004" ou a "parte das despesas do Porto 2001, Capital da Cultura", salientou, considerando que se tratam de "despesas públicas chamadas de investimento que chocam as famílias portugueses".
De facto.

A democracia é uma chatice...

Segundo a "liberal" dinamarquesa Charlotte Antonsen "Referenda are in fact pure gambling. There is no guarantee of a positive outcome, unfortunately". Não só considera que é a si própria que cabe dizer o que é um resultado positivo ou negativo, como também acha que o resultado de uma votação é aleatório. Para ela, não conhecer o resultado de antemão é equivalente a dizer que se poderia simplesmente tirar o resultado à sorte, o resultado seria equivalente. Não há dúvida que para muitos a democracia é um enorme impecilho.

Um relatório muito incómodo (ou a má-fé da TSF)

Foi divulgado hoje o relatório de Lord Hutton sobre o caso das armas de destruição em massa, da morte de Dr. Kelly e das mentiras da BBC. As conclusões do Relatório Hutton ilibam o governo de Tony Blair das acusações que lhe foram feitas. A TSF, no noticiário das 20h, nada disse sobre o assunto. Às 21:00h foi lacónica. Disse que Blair tinha sido ilibado por Lord Hutton, para citar logo de seguida declarações que David Kay, inspector dos EUA para as armas de destruição em massa, teria feito a uma comissão do senado dos EUA: "enganámo-nos a todos". A pressa do TSF em contrabalançar uma notícia com a outra demonstra bem a má-fé a que Fernando Gil e Paulo Tunhas se referem no seu excelente Impasses, mais ainda quando comparamos a suposta declaração de Kay com o original "we were all wrong", que se poderia traduzir por "enganámo-nos todos". Uma diferença subtil, mas significativa.

2004-01-27

Propinas e trabalhistas

A nova lei das propinas foi aprovada no Reino Unido, por uns escassos cinco votos. Acabou o ensino superior gratuito. Excelentes notícias, especialmente considerando que foi um partido trabalhista que pegou este touro de caras. Esperemos agora que o nosso governo ganhe coragem para mais reformas no ensino superior em Portugal.

2004-01-21

A fidelidade como defeito

Miguel Poiares Maduro assina no DN um artigo notável sobre a fidelidade como (má) alternativa ao mérito. Uma das melhores análises da sociedade portuguesa que tenho lido:
Em Portugal, temos preferido a fidelidade ao mérito. Claro que todos criticamos a corrupção, o nepotismo e fenómenos semelhantes na preferência dada a alguns em detrimento de outros que consideramos mais capazes e competentes. Mas, na verdade, esses fenómenos são apenas a faceta mais extrema da lógica predominante na nossa sociedade e que intuitivamente aceitamos e vemos constantemente reproduzida nas nossas instituições: a preferência pelos nossos em detrimento dos outros. Na Universidade dá-se preferência «aos nossos doutorados». Na administração publica, «aos nossos colegas». Nas empresas, «aos que cá trabalham».

[...]

A fidelidade é um dever que, em algumas circunstâncias, temos para com alguns. O mérito é um reconhecimento que devemos a todos.

2004-01-19

A taxa de televisão no Reino Unido

Uma pequena nota de Theodore Dalrymple no City Journal acerca da solução governamental para o problema das mães solteiras, algumas das quais foram presas por deixarem repetidamente de pagar a taxa de televisão:
A liberal think-tank close to the government has come up with a solution to the problem: halve the license fee for single mothers. In other words, we should subsidize a subsidy, in the name of a universal “right” to misinformation and trashy entertainment (and at the same time confer yet another incentive—albeit a small one, though such incentives are additive—for single parenthood). Reportedly, the government is favorably inclined toward the proposal.

Here is the definition of current British social policy: an idiocy wrapped in a lunacy wrapped in an absurdity, to produce misery and squalor.

2004-01-17

Um perigo na via pública

  • Desloca-se a velocidade muito inferior à dos restantes utentes da via pública, com os perigos que os diferenciais de velocidade acarretam.
  • Não precisa de licença para circular.
  • Conduz-se sem carta nem limite de idade.
  • Não tem dispositivos passivos ou activos de segurança (e.g., airbag ou ABS).
  • Normalmente não tem iluminação própria, nem para iluminar o caminho, nem de presença.
  • Não vai a inspecções periódicas obrigatórias.
  • Circula sem seguro.
  • De acordo com estatísticas da DGV, está envolvido em pelo menos 20% dos casos de mortalidade rodoviária.
Não se pode continuar a admitir este estado de coisas. Proiba-se o peão.

2004-01-15

11 anos de atraso

Certa noite, ainda a minha mãe estava na faculdade, o meu avô parou o trabalho aturado que o ocupava à secretária, que ocupava parte substancial da sala de estar, e declarou à família, solene: "Estou 11 anos atrasado". Eu também, aqui, pública e solenemente, e para que conste, me declaro 11 anos atrasado.

O efeito 1 minuto de microfone

Estação de Metro de Entrecampos. Pela 3ª vez encontro o guichet para recepção de pedidos de passe encerrado. Do guichet do lado informam que a colega está de baixa e que a colega que era suposto substituí-la faltou. A indignação propaga-se pelo dominó de requerentes que atrás de mim se havia formado. O funcionário do Metro sugere então que preenchamos fichas de reclamação. O que faço e me toma 2 minutos. No entretanto a fila tinha desaparecido, em pregões a anunciar o peixe-vergonha do pais; à procura do microfone que lhe dê o seu minuto no éter do fórum ou no fósforo do ecrã.

2004-01-11

Que fazer

Apoiar organizações como a SOS Racismo (que tem um blogue), mesmo que com elas discordemos ocasionalmente.

Racismo e xenofobia

Aqui ao lado, em Espanha, o racismo, a xenofobia. Um documentário impressionante da El Mundo TV (na SIC Notícias) torna-nos Marroquinos ou Argelinos por uns minutos. As desculpas, as recusas, as negas, todo o tipo de discriminação, é o que os emigrantes do Magrebe enfrentam todos os dias. Uma humilhação contínua. Uma infâmia inenarrável, que corresponde certamente àquilo que vai acontecendo por todo o mundo, que acontece certamente aqui mesmo, em Portugal. De vez em quando precisamos de documentários assim. Ajudam-nos a recordar o que somos. E somos maus.

2004-01-09

Petróleo para a paz

É curioso que, depois de o petróleo ter sido usado como explicação para a guerra de Angola e para a intervenção dos EUA no Iraque, depois de se dizer que o petróleo teria originado os golpes em S. Tomé, agora, no Sudão, o petróleo sirva de justificação... para o fim da guerra:
O petróleo, que começou por intensificar a guerra, acabou por se tornar num factor de acordo. Primeiro, porque o Norte concluiu que o não poderia explorar eficientemente sem paz e sem um compromisso com Garang. E, para os rebeldes do Sul, é a grande hipótese de vencer a pobreza endémica da região. Em segundo lugar, provocou um decisivo envolvimento norte-americano. Mas no essencial, a guerra vai acabar por completa exaustão de ambas as partes.

Jorge Almeida Fernandes, no Público de ontem (na BBC World a opinião era a mesma).
Estas explicações sempre me pareceram demasiado simplistas.

Uma boa medida

Bush pretende legalizar imigrantes clandestinos. Mas uma má justificação:
É de senso comum e de justiça que as nossas leis devem permitir a entrada de trabalhadores [estrangeiros] no nosso país para preencher empregos que os americanos não preenchem.
E se preenchessem, mas sofressem concorrência dos imigrantes? Isso não seria bom para todos, excepto temporariamente para os trabalhadores americanos que sofressem directamente a concorrência?

2004-01-08

As editoras movem-se

Os pesquisas e citações cruzadas de artigos publicados electronicamente estão a ser revolucionadas pelo DOI e pelo Crossref. Boas notícias para quem depende da pesquisa bibliográfica.

2004-01-07

Barroso e Cavaco

Segundo o PS (via Sic Notícias), o governo de Durão Barroso está a governar pior que Cavaco Silva. Vindo do PS, é um grande elogio, aliás imerecido.

No Mundo

O Carlos Miguel Fernandes tem um blogue. É o No Mundo. Dada a qualidade das suas intervenções no Picuinhices, será de certeza um excelente blogue. Sejam muito bem vindos, ele e a Maria João Reis Martins!

Individualismo não é sinónimo de egoísmo

Na TSF de hoje, no Pessoal e... Transmissível, Carlos Vaz Marques conversou com Mário Beja Santos. Pelo meio, uma confusão entre individualismo e egoísmo que é muito comum entre a esquerda. Como diz Hayek:
Individualism has a bad name today [anos 40], and the term has come to be connected with egotism and selfishness. But the individualism of which we speak in contrast to socialism and all other forms of collectivism has no necessary connection with these.
É esta confusão que torna tão difícil, como a entrevista revelou, compreender que seja num dos países que se considera o paradigma do individualismo, os EUA, que a sociedade civil, o voluntarismo e associativismo sejam mais fortes.

Os nossos dirigentes associativos

Jorge Cristino, novo Presidente da Associação Académica da Universidade do Minho, afirma em entrevista ao Público que "a Declaração de Bolonha diz que o Ensino é gratuito [...]". Não pude acreditar. Procurei e li a dita declaração e, felizmente, não havia sombra de referência à gratuitidade do ensino. A declaração terá muitos defeitos, mas pelo menos esse não tem.

Alguns bons argumentos contra a proibição do véu nas escolas francesas

Vale a pena ler o artigo de Vital Moreira, no Público. Para ele, não é tanto o jacobinismo do "princípio da laicidade" que está em causa, mas o anseio de uniformidade cultural da França. Tenho algumas dúvidas, mas os argumentos são bons:
A justificação política e doutrinária da medida proibicionista é geralmente ligada ao "princípio da laicidade", expressamente garantidos na Constituição de 1958, que é um dos princípios fundamentais da República francesa, desde a lei da separação de 1905. Mas, bem vistas as coisas, ela tem menos a ver com o princípio laico do que com a tradição francesa, de origem tipicamente jacobina, que faz prevalecer a ideia de nação sobre as identidades comunitárias e a assimilação cultural das minorias sobre a diversidade. A raiz da medida é a mesma que leva a França a não reconhecer a existência de minorias étnicas, linguísticas ou outras que pudessem pôr em causa a identidade e homogeneidade do "peuple français". O que a motiva é menos a questão da religião em si mesma do que o receio da radicação e consolidação de identidades sectoriais subnacionais, com o seu potencial desagregador da coesão e identidade nacionais.

2004-01-06

Reciprocidades?

Reagindo a medidas de protecção semelhantes tomadas pelos EUA, o Brasil, usando do seu "direito de reciprocidade", resolveu começar a registar ao cidadãos americanos que entram no seu território, fotografando-os e tirando-lhes as impressões digitais. Acontece que nos EUA há boas razões para tomar cuidados e, se é discutível a eficácia deste tipo de medidas, é certamente compreensível que os EUA as tomem. Basta lembrar o 11 de Setembro e estar atento às declarações regulares da Al-Qaeda. A atitude brasileira, pelo contrário, é simplesmente estúpida: não havendo qualquer necessidade de fazer os registos, estes limitam-se a incomodar e a gastar recursos materiais e humanos num gesto provocatório.

2004-01-05

2:

Algumas hipóteses:
  • A 2: não tem sucesso: desperdiçou-se dinheiro dos contribuintes.
  • A 2: tem sucesso: investiu-se dinheiro dos contribuintes para fornecer um serviço que podia ser fornecido pelo mercado e do qual muitos desses contribuintes não usufruem nem como espectadores nem através de um retorno monetário do investimento.
  • A 2: tem sucesso, mas com um figurino que não poderia nunca dar dar lucro: nesse caso o negócio não é viável, destinando-se simplesmente a fornecer um serviço a alguns à custa do dinheiro de todos.
A televisão pública é paga através de impostos. A chamada "contribuição audio-visual" é um imposto. Não distingue entre quem usufrui ou não do serviço estatal de televisão, pelo que não se poderá nunca considerar como um pagamento. É um roubo feito a alguns para benefício de outros. Não se destina a combater nenhum suposto mal social. A "tabloidização" das televisões privadas é, aliás, um espantalho. A SIC Notícias está aí para o demonstrar. Mas ainda que fosse verdade a "tabloidização", não justificaria a televisão estatal. Se as padarias vendessem apenas papo-secos, seria desejável ou justo que o estado oferecesse um serviço de fornecimento de pão alentejano a alguns, com gosto mais refinado?

Serviço público estatal de televisão

Não é necessário.

2004-01-04

O Quebra-Nozes

À tarde assisti a "O Quebra-Nozes", da Companhia Nacional de Bailado. Para além de ser incompetente para julgar tecnicamente um bailado, a forma como assisto aos espectáculos impede-me, normalmente, uma crítica objectiva. Sim, confesso, sou dos que quase saem para o hospital com ataques cardíacos quando os filmes são de suspense e dos que choram baba e ranho quando puxam ao sentimento, passando vergonhas horríveis quando, no fim, as luzes se acendem e não arranjo maneira de disfarçar as lágrimas que correm em torrentes. Foi assim que assisti a "O Quebra-Nozes". Encheu-me as medidas. Os cenários são excelentes, tal como os figurinos. A música, infelizmente, era gravada. Ao meu lado, o meu filho perguntava-me a cada momento que dança era, "É a do café? São japoneses?", batia palmas com entusiasmo, informava o vizinho "São os flocos de neve!". Sim. É verdade. Hoje à tarde, ao lado do meu filho, também eu tive cinco anos.

Euforia

Não consigo ler mais do que um par de parágrafos. Passeio pela casa num estado eufórico que se diria causado por estupefacientes. Desconheço a razão. Será porque se acabou, finalmente, o período de festas?

Conservadores e neoconservadores

No Public Interest, via AAA da Causa Liberal, um interessante e informativo artigo de Adam Wolfson sobre conservadores e neoconservadores.