2004-12-06

Faltam sete minutos para a meia noite

No número de Janeiro/Fevereiro de 2005 o Bulletin of the Atomic Scientists apresenta um artigo detalhado sobre as recentes “surpresas nucleares” na Coreia. O problema é que não se trata da Coreia do "costume”, mas sim da Coreia do Sul.

Só recentemente a Coreia do Sul admitiu ter conduzido programas de extracção de plutónio em 1982, de enriquecimento de urânio entre 1979 e 1981 e de fabrico de munições de urânio empobrecido entre 1983 e 1987. As actividades ilegais de enriquecimento de urânio na Coreia do Sul continuaram ao longo da década de 90. Estas descobertas colocam várias dúvidas e problemas complexos.

Em primeiro lugar, o programa sul coreano poderá ter influenciado a decisão da Coreia do Norte de iniciar o seu próprio programa de armamento nuclear em 1998, com base em eventual informação de espionagem obtida na Coreia do Sul.

Em segundo lugar, os factos agora admitidos pela Coreia do Sul poderão influenciar as decisões estratégicas do Japão nesta matéria, tornando o ambiente neste país mais favorável ao desenvolvimento de um programa nuclear com fins militares.

Em terceiro lugar, este tipo de “descoberta” reforçam o cepticismo quanto à eficácia dos protocolos e sistemas internacionais destinados a evitar a proliferação de materiais nucleares. As “discrepâncias” nos registos oficiais de urânio e de plutónio são frequentes e a possibilidade da fervilhante actividade económica do extremo oriente incluir transacções de material nuclear com potencial militar é desconfortavelmente elevada. Ninguém pode garantir que grupos terroristas não tenham já armas nucleares em seu poder.

Em 1997, o general russo Alexander Lebed admitiu tranquilamente que o governo russo tinha “perdido” mais de 100 malas transformadas em bombas nucleares, das cerca de 250 armas nucleares deste tipo. São armas nucleares transportáveis individualmente, levam entre 20 e 30 minutos a ser preparadas para explodir e não dependem de qualquer código de activação. O governo russo desmentiu a informação mas preocupou-se mais em descredibilizar o mensageiro. Até hoje o paradeiro de tais malas, a terem sido extraviadas, é desconhecido.

A construção de bombas para a dispersão de materiais nucleares (as “dirty bombs”) é ainda mais simples e as fontes bastante mais diversificadas (o césio, por exemplo, é usado em hospitais). A explosão de uma bomba destas, para além do número de vítimas imediato causará ondas de pânico (as estimativas do número de mortes em acidentes causados pelo pânico excede o número de vítimas da exposição à radiação), custos de descontaminação elevadíssimos e a eventual interdição da área afectada por um número indeterminado de anos (suponha que se trata de Londres, Nova Iorque, Los Angeles ou Paris). Os custos económicos seriam susceptíveis de provocar uma recessão sem precedentes. São cenários semelhantes que os terroristas têm em mente, quando procuram adquirir a tecnologia nuclear.

Países como a Rússia, o Paquistão, a Ucrânia (pois...), a Coreia do Norte, o Irão, a Geórgia ou o Uzbequistão estão entre os mais problemáticos do ponto de vista da segurança nuclear. Um exercício simples mas pedagógico consiste em assinalá-los num mapa e observar o resultado. Os presidentes norte americanos William Clinton e George W. Bush não tinham razão quando falavam num “axis of evil” (Clinton usou pela primeira vez a expressão “axis of impious states” para designar o trio sinistro do Irão, Iraque e Coreia do Norte); na verdade assemelham-se mais a um “ring of nightmare”.

Se quiser saber mais sobre o risco de terrorismo nuclear, uma boa fonte de informação é o livro de Graham Allison, professor de Government na Universidade de Harvard: Nuclear Terrorism (Times Books, 2004).

Não admira por isso que o ponteiro deste relógio esteja hoje mais próximo da meia noite do que em algum momento nos últimos dezasseis anos. Se o pior cenário se verificar talvez não haja tempo para acertar o relógio.

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