2004-12-16

Os custos do “contabilisticismo”

O Orçamento de Estado para 2005 previa uma série de operações de alienação patrimonial. Ao que parece, essas operações foram agora “convertidas” em operações de aluguer de património.

Em linha gerais, a operação consiste em transferir a posse legal dos imóveis para bancos ou outras entidades financeiras, tornando-se o Estado o locatário e pagando portanto uma renda por período de tempo (mês, ano) que inclui um encargo de juros. Na conta patrimonial do sector público os edifícios permanecem contabilizados como activos (não financeiros) mas como contrapartida de um empréstimo, que constitui o activo das entidades financeiras locadoras. Desde que o preço dos activos esteja determinado no momento do contrato, a taxa de juro desta operação pode ser determinada implicitamente pelo relação entre o montante total de rendas pago ao longo da duração do contrato relativamente ao preço do activo. O resultado da operação é uma deterioração da conta patrimonial do Estado: a riqueza líquida do sector público diminui.

Sem estas receitas imediatas, o défice público global seria maior: no curto prazo a operação permite ao Estado evitar a emissão adicional de dívida pública. No longo prazo, a medida não é neutra: é prejudicial para os contribuintes. Os juros implícitos nos contratos de “leasing” são certamente uma das formas mais caras de financiamento público. A razão desta operação é a estúpida restrição do défice global em percentagem do PIB, que tem de se manter abaixo dos “mágicos” 3%. Trata-se de uma medida contabilística, “cega” aos efeitos sobre a conta patrimonial do sector público e anti-económica. Vive-se num ridículo “baile de fantasia” institucional: veja-se a evolução do saldo global da administração pública, excluindo medidas temporárias, publicado pelo Banco de Portugal.

A venda dos edifícios era claramente preferível: pelo menos obrigava as entidades públicas a considerar o espaço como um custo e portanto a usar de racionalidade económica nas decisões de localização e utilização dos espaços imobiliários. Essa parecia ser a intenção do Ministro das Finanças. Agora, por entre uma estranha justificação, o mesmo Ministro das Finanças altera a decisão que ele próprio tinha tomado e que estava prevista no OE 2005, cuja necessidade de aprovação foi apontada como a razão justificativa para a “agonia parlamentar”.

O Orçamento foi aprovado num estranho conúbio governo-presidência por uma razão: nem os partidos de direita representados no governo, nem o Presidente da República, “mandatário informal” do Partido Socialista, se atreveram a negar o “aumentozinho” aos funcionários públicos. Todos sabem quem vai decidir as próximas eleições e por que motivos votam. Garantida a demagogia eleitoral, que, repito, interessa tanto ao PSD como ao PS, o resto do orçamento é “letra morta”. Pode perfeitamente ser ignorado, desde já, em nome da cosmética contabilística, ou de outra coisa qualquer.

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