2004-12-14

Painéis de São Vicente (de dentro): a União Europeia

Os portugueses são os sindicalistas da Europa. Os subsídios comunitários não são encarados como programas temporários de auxílio suportados pelos contribuintes de países mais ricos: são vistos como “direitos adquiridos”, como “regalias”. Qualquer peça de legislação comunitária que ponha em causa as “regalias” deverá ser combatida pelo sindicato nacional, ou seja: pelo governo. O governo serve na UE como o “representante dos trabalhadores” em permanente negociação com a comissão europeia — o “conselho de administração” e representante da "empresa" capitalista. Na década de 80, fomos admitidos na “empresa CEE". Ao longo da década e meia que se seguiu, com a larga conivência e responsabilidade política dos governos nacionais, os fundos comunitários foram desperdiçados de duas formas primordiais: ou nem sequer eram utilizados em tempo útil, por exigirem projectos estruturados e complexos que os portugueses eram incapazes de preparar (as baixas “taxas de execução”) ou eram utilizados em projectos com taxas de rentabilidade baixas (para dizer o mínimo). Os agricultores portugueses passaram a plantar subsídios, os pescadores habituaram-se a ser pagos para não pescar. Nisto, diga-se não diferem dos seus congéneres europeus, que são apenas mais eficientes e organizados na "extracção" do subsídio.

Nenhuma economia faz reformas profundas mantendo-se quase sempre próxima do pleno emprego. Mesmo com um ciclo económico de crescimento, os trabalhadores desafectados aos sectores industriais decadentes não se “transformam” em pós-doutorados utilizáveis nos sectores emergentes: a “reconversão” da mão de obra é, em larga medida, uma ficção política; veja-se a evolução ao longo do tempo da taxa de desemprego espanhola. Numa economia em crescimento e transformação acelerada há gente que perde definitivamente o emprego, há quem fique na miséria, enquanto noutros sectores de actividade surgem novas empresas lucrativas e portanto novas possibilidades de emprego. O ajustamento é gradual e socialmente difícil. Incapaz de o explicar e de suportar os custos políticos deste processo, que Schumpeter chamou de “destruição criadora”, os governos portugueses preferiram gastar as ajudas europeias a comprar tempo. Adiaram o inadiável. Agora uns apelam à “serenidade”, outros à “estabilidade” e outros ainda sugerem que se reze muito.

Portugal, país eternamente “remediado”, habituou-se depressa à “renda europeia” e acha que compete ao governo defender os seus “direitos adquiridos” perante uma Europa que exige “resultados”, “responsabilidades”, e, horror dos horrores, que se atreve a incluir novos países pobres a leste, mais esforçados e interessados em melhorar e que irão pôr em causa as "regalias” dos portugueses. Só maçadas.

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