2003-05-05

Chomskys à Portuguesa O Manifesto pela Paz, Contra a Ocupação, assinado pelos costumeiros Mário Soares, Freitas do Amaral, Maria de Lurdes Pintassilgo, Helena Roseta e Boaventura Sousa Santos, entre outros, é um chorrilho de insinuações. A mentira nunca é directa, pois Mário Soares sabe bem escondê-la por trás da insinuação infame. Este manifesto envergonha quem o escreveu e quem o subscreve:
Ao som de uma imensa operação de propaganda e de manipulação da informação, as tropas norte-americanas e britânicas, coadjuvadas por forças australianas, invadiram o Iraque no dia 19 de Março, recorrendo a bombardeamentos intensivos e devastadores, utilizando «armas de destruição massiça» de novo tipo. O mundo ignora até hoje o número exacto dos mortos provocados na população.

"Armas de destruição massiça de novo tipo", repare-se bem. "Armas de destruição massiça". Os autores e subscritores do documento sabem bem o que são armas de de destruição em massa, e sabem que não foram usadas no Iraque, nem sequer por parte do regime de Saddam. Insinua-se que o número de mortos terá sido elevadíssimo, talvez para tentar corroborar pela insinuação aquilo que nenhum facto permite confirmar: as centenas de milhares, senão mesmo milhões de mortos, previstos por gente como Mário Soares, primeiro subscritor e talvez autor do presente manifesto, antes do início da guerra. Recordo que todos os números disponíveis até hoje apontam para cerca de quatro mil mortos, entre militares e civis. As piores estimativas não vão além (enfim, a palavra não é a mais apropriada, pois um único morto já é demais) de 10 000 mortos.
A formidável máquina de guerra lançada contra um povo do Iraque, praticamente indefeso, procedeu à destruição sistemática de infraestruturas, edifícios públicos, Universidades, atingindo com frequência densas zonas populacionais, assumindo ainda uma estratégia de assassinato político em que os inimigos foram reduzidos a fotografias de um baralho de cartas.

Voltam de novo as insinuações de que os civis atingidos pelos bombardeamentos foram-no propositadamente. É de um cinismo que ultrapassa o que é razoável. É torpe, simplesmente. Quanto às cartas, sugere que o objectivo é assassinar os retratados, quando todos sabemos que não houve um só assassinato, tendo-se já detido pelo menos uns 10 dos retratados. Sim, houve bombardeamentos destinados a eliminar Saddam Hussein, mas confundir isso com "assassinato político" e estendê-lo a todos os dirigentes iraquianos retratados nas cartas não adere à realidade: é mentira.
A pilhagem do Museu de Bagdad e de muitas outras instituições culturais é um crime contra a História da Humanidade e a memória do povo iraquiano, constituindo um sinal claro da barbárie associada a esta guerra, que visa facilitar o controlo da sociedade e das elites iraquianas pelos vencedores.

Pensava eu que se tinha atingido o limite da infâmia... Agora sugerem que as pilhagens faziam parte de uma estratégia que visava "facilitar o controlo da sociedade e das elites iraquianas pelos vencedores". Para além da infâmia da afirmação, o argumento é de uma enorme estupidez. Em que é que as pilhagens de museus facilitariam o controlo da sociedade e das elites iraquianas? É de um absurdo tal que, sinceramente, me desilude definitivamente de alguns dos subscritores do documento, que considerava pessoas válidas e inteligentes.
A violência exercida contra jornalistas, incluindo portugueses, e a censura organizada para ocultar notícias e imagens inconvenientes, são elementos centrais da operação «choque e pavor», tecnocraticamente aplicadas à máquina de morte e destruição, de modo a minimizar a oposição dentro dos próprios Estados Unidos da América e da Grã-Bretanha e o repúdio generalizado da opinião pública mundial.

"Violência exercida contra jornalistas" foram dois ou três episódios isolados durante uma das guerras com maior cobertura mediática, onde a Al Jazira, por exemplo, se não agiu com maior liberdade foi porque o próprio regime de Saddam não o permitiu.
Do mesmo modo que o tratamento brutal e vexatório infligido aos prisioneiros de guerra _ cujo número e situação real se desconhecem _ exibem arrogante desprezo pelas Convenções de Genebra.

Isto é simplesmente ridículo. Todas as imagens que nos chegaram, algumas delas filmadas e difundidas de forma abusiva, não revelaram quaisquer maus tratos. É lamentável fazer insinuações deste tipo sem apresentar a mais pálida sombra de uma prova. Lamentável.
A ocupação militar e a anunciada partilha dos lucros do petróleo e da reconstrução do que agora foi destruído pela invasão entre empresas americanas e inglesas, com eventuais migalhas para outros países apoiantes desta acção militar ilegítima, traduz o verdadeiro objectivo desta «guerra preventiva». Alegadamente conduzida contra o regime ditatorial de Saddam Hussein, visa de facto reordenar geográfica, política e economicamente toda a Região, colocando-a sob tutela norte-americana. Não foi por acaso que o único ministério que não foi saqueado em Bagdad foi, significativamente, o Ministério dos Petróleos...

Todos os indícios apontam no sentido oposto: que, de facto, o objectivo é reconstruir rapidamente o Iraque, e permitir aos iraquianos decidir livremente do seu futuro e do destino, ou da forma de exploração, a dar ao seu petróleo.
As crescentes ameaças aos países vizinhos, em especial a Síria e o Irão, e o apoio declarado à política agressiva de Sharon, que pretende exterminar o povo e as instituições palestinianas, são outros tantos sinais do carácter hegemónico da política prosseguida pela administração norte-americana, que recusa o Direito Internacional e vê nas Nações Unidas um empecilho à sua afirmação unilateral.

É impressionante como é possível dizer isto depois de os ataque verbais à Síria e ao Irão, de resto perfeitamente compreensíveis, terem não só descido de tom, como tendo também os seus autores esclarecido cabalmente que não havia qualquer intenção de agir militarmente contra estes países. Mas mais ainda quando o processo de paz no Médio Oriente parece começar a ganhar fôlego, com a Síria a rever o seu apoio ao terrorismo palestiniano, com o regime de Saddam, outro apoiante do terrorismo palestiniano, eliminado, com um novo primeiro ministro palestiniano, opositor da violência, e mais ainda depois de o próprio Sharon ter dito que Israel precisava de fazer "concessões dolorosas".
Assistimos, mesmo assim, a diligências contraditórias de envolvimento de instâncias internacionais, das Nações Unidas e suas agências à NATO e à União Europeia, sem esquecer as ONGs, para servirem de manto diáfano a cobrir a nudez forte da verdade da guerra, da ocupação e dos interesses.

Aí está. Ninguém é puro, nem mesmo as ONG... Puros mesmo, e iluminados, só mesmo os subscritores do documento, apoiantes implícitos de Saddam, novos Chomsky à portuguesa, incapazes de reconhecer erros, tamanha é a fúria anti-americana.
O Iraque não é um país livre. É hoje um país ocupado por tropas estrangeiras. Como as imponentes manifestações ocorridas em Bagdad em 18 do corrente, reclamando a retirada das tropas de ocupação anglo-americanas, bem demonstraram.

Pura retórica. Não é livre? Não, ainda não. Mas estaria mais livre e, sobretudo, com melhores perspectivas de verdadeira libertação, se o regime de Saddam não tivesse sido deposto?
Conscientes da extensão do apoio e empenhamento do Povo Português na luta pela paz, vimos, de novo, juntar a nossa voz a quantos, em Portugal e em todo o mundo, querem lutar pela preservação da paz, no respeito dos princípios da Carta das Nações Unidas;
Afirmamos a nossa oposição à ocupação militar do Iraque, defendendo a retirada das tropas invasoras e a criação, sob a égide da ONU, de genuínas condições de autodeterminação do seu povo, designadamente através do envio urgente de uma comissão de observadores de reconhecida credibilidade internacional;

Ah! Aqui atinge-se o paroxismo. Exige-se aos EUA e ao Reino Unido aquilo que eles próprios asseguraram ser sua intenção! Verdadeiramente incrível. Surrealista.
Manifestamos a nossa profunda preocupação com as intenções belicistas das autoridades norte-americanas contra países vizinhos do Iraque, em especial a Síria e o Irão, denunciando também o aproveitamento da situação que as autoridades de Israel têm feito para prosseguirem a sua política agressiva contra a população e as instituições palestinianas;

Tememos uma crescente globalização da guerra e do terrorismo, que siga a par e passo com práticas de condicionamento pela «lei do mais forte» e com inaceitáveis restrições às liberdades e garantias individuais;

Rejeitamos as crescentes ameaças à livre expressão do pensamento e o incremento da manipulação generalizada da informação, ao serviço de uma visão imperialista e unilateral;

Apelamos aos Governos _ a todos os Governos _ para que respeitem a vontade de paz e justiça manifestada em todo o mundo, abandonando as políticas armamentistas que esbanjam recursos vitais para a luta contra a pobreza e a iniquidade;

Belas palavras... Mas que em nada contribuem para a paz e a segurança. Desarmarmo-nos? Os próprios EUA? E a Coreia do Norte? Alguém tem alguma dúvida o que aconteceria se os EUA não estivessem lá para conter o criminoso ditador?
Somos pelo reforço efectivo da Organização das Nações Unidas e pela sua exclusiva legitimidade em termos de Direito Internacional.

Também eu. Mas, ao contrário dos subscritores, só volto a acreditar numa Nações Unidas totalmente reformadas, sem ditaduras nem regimes totalitários, sem Líbias e Cubas em Comissões dos Direitos Humanos.
Exigimos o funcionamento autónomo das instâncias europeias face à crescente ameaça hegemónica dos EUA;

Aí está. O que os subscritores pretendem é afastar os EUA, perigoso estado nazi que ameaça a democracia global, incluindo a democracia do regime de Saddam Hussein...
Acreditamos na solidariedade entre os povos e defendemos uma Cultura da Paz, assente no primado dos direitos e garantias democráticas e no diálogo de civilizações;

Apelamos, em consequência, ao lançamento de novas iniciativas, amplas, diversificadas e plurais em favor da paz e contra a guerra e a ocupação do Iraque.

A irresponsabilidade é total. Se os EUA e o Reino Unido saissem hoje do Iraque, o resultado seria trágico. Os subscritores do manifesto foram encurralados pela realidade. Não tinham saída verdadeiramente airosa. Ou apoiavam uma ocupação temporária do Iraque, necessária até à construção de um governo interino e até às primeiras eleições, o que a seus olhos corresponderia a legitimar o ataque, ou lutavam por uma desocupação imediata do Iraque, o que lhes permitiria salvar a face sem correrem qualquer risco de que semelhante tragédia viesse a acontecer. Optaram pela última, hipocritamente.

Todos os dias matam a poesia. diz Manuel Alegre, matando-a ele mesmo num só verso.

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