Mia Couto elenca os países bombardeados pelos EUA desde a Segunda Guerra Mundial. A listagem parece ser rigorosa. Nela surgem, por exemplo, a Coreia (1950-1953), o Camboja (1969-1970), o Iraque (1990-2001), o Afeganistão (1998) e a Juguslávia (1999), entre outros. Uma lista exaustiva, cujo intuito é claramente apresentar os EUA como agressores inveterados. Que a grande maioria desses "bombardementos" tenham sido suportados pelas Nações Unidas e que Sul Coreanos, Kuwaitianos, Afegãos e Kosovares estejam hoje agradecidos aos EUA pelo sacrifício de vidas e dinheiro em nome da liberdade e da derrota do comunismo ou do fundamentalismo islâmico, não lhe diz nada. Apresentar os erros dos EUA pode ser um exercício útil. Classificar como erros e como imorais todas as suas intervenções destina-se a construir uma falsa realidade. Que dizer de uma lista em que o Kuwait surge na lista de agressões dos EUA? Presume-se que se refira à intervenção de libertação do Kuwait em 1991 (a data coincide), mas esses bombardeamentos foram feitos para apoiar o próprio Kuwait, para o libertar dos invasores Iraquianos, e foram feitos no âmbito de uma coligação internacional gigantesca. A manipulação é grosseira e enoja.
O desfolhante, usado no Vietname pelos EUA, serve para supostamente demonstrar que os EUA usaram armas químicas. Não importa que o desfolhante não fosse usado com o propósito directo de matar o inimigo, mas sim de despir de folhagem as árvores e arbustos que podessem servir de cobertura para o inimigo. Certamente uma táctica muito criticável, mais a mais quando se soube que esse herbicida estava altamente contaminado com uma dioxina nociva para os humanos, resultado indesejado do processo químico de fabrico do produto. Aparentemente os resultados dessa contaminação foram terríveis, embora as discussões acerca da extensão dos seus efeitos continuem, mas pode-se honestamente comparar o uso de desfolhante com o uso de armas químicas propriamente ditas? É distorcer os factos.
Também é fácil apresentar as políticas de alianças dos EUA como apoiando persistentemente a pior espécie de crápulas. Mais uma vez, é uma meia verdade. Esquece que, no tempo em que os EUA apoiaram combatentes anti-comunistas ligados ao fundamentalismo islâmico, por exemplo, o perigo para o mundo era a URSS.
Mas não, esqueço-me... Para Mia Couto, a URSS não era uma ameaça. Não. Para Mia Couto, Saddam Hussein e Kim Yong-Il não representam qualquer perigo internacional: o perigo são os EUA. Na realidade, para Mia Couto o problema é outro. Não são os EUA em si, mas o facto de representarem e promoverem o capitalismo liberal, que ele, como tantos outros, não suporta. Mia Couto, um africano, deveria saber melhor que o que falta a África é acima de tudo democracia, mas também mais capitalismo e liberalismo. As experiências comunistas e socialistas africanas deixaram África de joelhos, esfomeada.
Mas não. Esqueço-me de novo... O comunismo e o socialismo não falharam nunca: foram boicotados pelas forças sinistras do capitalismo predador, responsável pelo estado calamitoso de África... A ideologia é imune à realidade.
Mia Couto termina dizendo, dirigindo-se a Bush, que:
O maior perigo não é o regime de Saddam, nem nenhum outro regime. Mas o sentimento de superioridade que parece animar o seu Governo. O seu inimigo principal não está fora. Está dentro dos EUA. Essa guerra só pode ser vencida pelos próprios americanos. Eu gostaria de poder festejar o derrube de Saddam Hussein. E festejar com todos os americanos. Mas sem hipocrisia, sem argumentação para consumo de diminuídos mentais. Porque nós, caro Presidente Bush, nós, os povos dos países pequenos, temos uma arma de construção maciça: a capacidade de pensar.
Infelizmente essa capacidade para pensar, a existir, não se revela nesta carta lamentável de Mia Couto. Pior, infelizmente parece não existir em grandes quantidades em alguns países pequenos, tais como Portugal e Moçambique. Enquanto não percebermos que a produção científica americana, a quantidade de prémios Nobel norte-americanos, a produção cultural americana, revelam muito mais capacidade de pensar do que países como Portugal ou Moçambique têm demonstrado, não há nada a fazer. De facto, a ignorância julga-se sábia.
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