DN: O PCP é um partido envelhecido?
BS: Não, aliás se nos lembrarmos que em 2002 entraram 1800 novos militantes, 40 por cento dos quais com menos de 30 anos, não podemos considerar que isso seja um partido envelhecido.
DN: Essa ideia pode ter menos a ver com o número de militantes e mais com a ideologia que está traduzida nos estatutos do partido. Concorda?
BS: Os estatutos do PCP não são de hoje. Mesmo assim, nós continuamos a assumir a nossa aspiração de construir uma sociedade diferente e isso tem de se reflectir nos estatutos.
Ou seja, o Partido Comunista continua a querer um revolução. Continua a desejar uma sociedade nova, sustentada num homem novo. As tentativas bárbaras de criar um homem novo e uma sociedade nova na URSS, na China, no Vietname, em Cuba, não convenceram os comunistas da total maldade da sua ideologia.
DN: Consideraria que na Coreia do Norte vigora um regime comunista?
BS: Temos falado nisso em vários congressos... julgo que o que caracteriza a questão do Coreia do Norte, neste momento, é a difícil apreensão do que se passa, de facto, naquele país.
DN: Difícil apreensão? Os dados que dispõe não são suficientes para poder dizer, por exemplo, se a Coreia do Norte é uma democracia?
BS: Tenho muitas reservas em relação à filtragem da informação feita pelas agências internacionais.
DN: Ao ponto de não poder dizer se o país é democrático?
BS: Sim. Tenho dúvidas que não seja uma democracia.
Que dizer? É verdadeiramente extraordinário. Há uns anos largos, logo após o 25 de Abril, ainda Bernardino Soares era uma criança e não havia sinais do desmoronamento da URSS, era esta a forma de responder dos comunistas. Problemas na URSS? Gulag? Abusos? Falta de democracia? Filas nos supermercados? Carros a cair de podres? Tudo invenções da "poderosa máquina de propaganda americana". A ideologia comunista é imune à realidade. Por isso é tão perigosa.
DN: Cuba, que é um caso que conhece melhor, serve de modelo ao PCP?
BS: Não creio que deva haver modelos, mas admito que em Cuba há uma intensa participação da população na vida política e que esse povo tem tido uma luta heróica contra os desígnios norte-americanos que o faz enfrentar um embargo de várias décadas, por vezes criminoso. E mesmo assim, consegue ajudar países menos desenvolvidos, como fazem em África. Esse esforço é de louvar.
DN: Louvaria também a liberdade de expressão?
BS: Aqui há uns tempos vi um líder da oposição dar uma entrevista, no seu pátio em Havana, a uma cadeia de televisão internacional, dizendo que não havia liberdade de expressão. O exemplo fala por si.
DN: E prisioneiros políticos, existem?
BS: Não tenho conhecimento.
DN: Nem lhe interessa ter?
BS: Com certeza que sim, mas também julgo que não há presos políticos em Cuba.
Seria simplesmente ridículo e trágico, se não fosse também perigoso. O comunismo "a sério" estará de volta? Será apenas o delírio de um jovem comunista mais papista que o papa? Ou será mais um indício da fraca memória da nossa sociedade relativamente aos crimes comunistas?
DN: Que significado dá hoje à queda do Muro de Berlim?
BS: Nós já criticámos o afastamento daquilo que julgamos dever ser a construção correcta do socialismo, sem a existência de classes dirigentes privilegiadas e a confusão entre o partido e o Estado. Mas não se pode ignorar que a existência de um campo socialista no século XX teve uma importância fundamental no desenvolvimento da humanidade, influenciando muitos avanços sociais.
Campo socialista... É discutível em que medida os avanços sociais, que existiram, se deveram ao socialismo democrático e à social democracia. Mas não se deveram de todo ao comunismo. O comunismo trouxe miséria, sofrimento e morte. Trouxe o totalitarismo, a ausência de democracia e a guerra.
Infelizmente os extremismos atrairão sempre uma franja da população. A liberdade é resultado de uma luta contínua. A luta contra o comunismo continua!
Bernardino Soares tentou, aparentemente, impedir a publicação desta entrevista. É provável que o Partido Comunista venha acusar o Diário de Notícias de manipulação das respostas ou, alternativamente, que tire a sua confiança política ao entrevistado. Espero sinceramente que isso aconteça. Mas o mal (?) está feito: trata-se de uma das primeiras manifestações de um fundamentalismo comunista que se tem mantido discreto durante a última década. Confirmam-se as suspeitas que surgiram quando Edgar Correia (um renovador!) voltou a falar às claras, no Público, de marxismo.
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