2003-04-12

Cobardia governativa Compreendo a necessidade táctica de fazer algumas reformas gradualmente. Mas há limites. A reforma do imposto da património, com a diminução da Sisa em vez da sua pura e simples substituição pelo IVA, a justiça fiscal e, agora, de novo a questão das propinas, demonstram-no.

Vários estudos têm mostrado que o perfil socio-económico dos estudantes do ensino superior é muito diferente do perfil da população em geral. Por outro lado, se é verdade que a educação é um factor fundamental de progresso, também é verdade que, pelo menos numa primeira fase, é o ensino não-superior que é prioritário. Estes factos fazem com que a virtual gratuitidade do ensino superior seja uma enorme injustiça, financiando quem não precisa para não financianciar apropriadamente quem precisa realmente. Mas não é apenas por isso que a gratuitidade é má, é-o também pelas distorções que introduz no mercado do ensino (sim, é um mercado), pela irresponsabilidade que induz em alguns docentes e discentes e pelo incentivo à retenção escolar a que conduz na prática.

Há já anos que defendo, como muitos outros, um modelo radicalmente diferente de financiamento, em que universidades públicas e privadas fiquem em pé de igualdade, em que o estado tenha como função principal garantir a igualdade de oportunidades, a mobilidade social e a possibilidade de escolhas informadas por parte dos candidatos a estudantes. Defendo que as propinas sejam fixadas pelas instituições e que estas não recebam qualquer financiamente por aluno, mas que se financiem de forma significativa através das propinas (sem prejuizo de poderem livremente atribuir isenções de propinas livremente, por mérito ou necessidade dos estudantes), para além fornecerem serviços remunerados à sociedade, de se financiarem através de projectos, etc. Defendo que o estado financie directamente o aluno, levando em conta o seu mérito, o seu aproveitamento, o tipo de curso frequentado e as suas necessidades económicas. Defendo que não se financiem de igual modo filhos de quadros superiores e estudantes verdadeiramente necessitados, que o sistema traga consigo um mínimo de justiça e racionalidade.

Mas, para além de garantir a mobilidade social e a igualdade de oportunidades através de uma intervenção financeira, julgo que o estado, e em particular o ministério que tutela o ensino superior, deveria promover os estudos de empregabilidade e progressão na carreira dos licenciados em cada curso, bem como promover as avaliações da sua qualidade intrínseca. Essas avaliações deveriam ser promovidas não contra as ordens profissionais, mas sim com elas, tentando apenas garantir a independência das avaliações realizadas. De facto, o estado não pode avaliar imparcialmente as universidades que detém. Só através da publicação destes estudos e avaliações os candidatos ao ensino superior poderão fazer uma escolha informada, passando as universidades a fixar as suas vagas de acordo com a procura existente e evitando-se a fixação dos numerus clausus como um dos poucos resquícios de economia de direcção central e planos quinquenais existentes na nossa sociedade.

Pode-se talvez dizer que as reformas da última década vão neste sentido e que a proposta recente do Ministério da Ciência e Ensino Superior de permitir às instituições fixar as propinas entre um e dois salários mínimos nacionais o demonstram. Não o creio. São reformas de uma timidez confrangedora. À velocidade a que estas reformas ocorrem teremos de esperar ainda várias décadas por efeitos visíveis.

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