2005-01-08

Vergonhas

O Público de hoje inclui um artigo com o seguinte título: Governo Português Acusado de Cumplicidade na Invasão do Iraque. Sobressalto imediato: acusado por quem? O primeiro parágrafo esclarece:
“A secção portuguesa do Tribunal Mundial sobre o Iraque (TMI) tornou pública, na quinta-feira, a sua acusação contra o Governo português "pela sua cumplicidade na agressão do Iraque".
Note-se a estranha utilização das aspas: conhecendo razoavelmente bem a organização judicial portuguesa, nunca tinha ouvido falar do “TMI”. Não sei qual a sua competência específica, área de jurisdição ou instância. Desconhecia-o por completo. Até agora. Algumas linhas mais abaixo, é explicitada a natureza constitutiva e os propósitos deste auto-designado “tribunal”:
“O TMI foi constituído em 2003 por um conjunto de organizações e personalidades empenhadas no movimento contra a guerra e recebeu este nome por adoptar a forma de um tribunal, uma vez que procura reunir provas e preparar depoimentos, embora não tenha os poderes próprios de um tribunal. No fundo, este "tribunal" visa esclarecer a opinião pública sobre a "agressão conduzida pelos EUA e pela Grã-Bretanha" contra o Estado iraquiano e obter "uma condenação moral e política" sobre esses factos (…)”
Aqui a jornalista que assina o texto lá se lembra da conveniência de rodear das devidas aspas a palavra “tribunal”. Podia e devia tê-lo feito logo no início, tal como deveria ter o elementar cuidado de não assumir como título (com a correlativa presunção de verdade) as obscenidades políticas elucubradas pelo grupo de lunáticos auto-designados por “TMI” e evitado o absurdo segundo parágrafo (não reproduzido aqui), que tem como único propósito instrumental meter o “Vietname” na conversa, a título de "analogia" político-militar da presente situação no Iraque.

O que distingue esta historieta de outras farsas típicas de um esquerdismo desagregador não é a finalidade: é a responsabilidade nominal na constituição do grupelho. Do conjunto de (ir)responsáveis por esta vergonha destacam-se Eduardo Maia Costa, procurador-geral adjunto e diversos juristas, entre os quais pontificam o fatal José Manuel Pureza e o advogado Garcia Pereira. Há ainda uma série de “justiceiros” avulsos: o historiador António Louçã, o médico e presidente da AMI Fernando Nobre, os coronéis Vasco Lourenço e Carlos Vale Ferraz e o general Pezarat Correia.

Quando procuradores-gerais adjuntos e juristas com alguma reputação e notoriedade pública se entretêm, em nome das suas afinidades políticas electivas, a abandalhar a instituição basilar do Tribunal, como e de quem esperar respeito pela Justiça? Que esta e outra gente, como Saldanha Sanches e Maria José Morgado, igualmente envolvidos na “ secção portuguesa da iniciativa”, pretendam integrar grupos de pressão política orientados para causas definidas, por mais questionáveis que sejam, estão apenas a usar as prerrogativas que as sociedade liberais possibilitam aos cidadãos, mesmo àqueles que—como eles—trabalham incessantemente para destruir e limitar a liberdade.

Mas quando esses grupos de reivindicação política se revestem da designação de “tribunal” todos os envolvidos passam do uso da liberdade de expressão e reunião para o simples aviltamento do conceito de Estado de Direito. Muitos dos integrantes da secção portugesa do "TMI" atrevem-se a participar nisto ao mesmo tempo que aparecem em quantos órgãos de comunicação social conseguem, sempre a lamentar a “descredibilização” da Justiça, a ausência de “seriedade” e de "empenho" dos governantes nas "reformas" da Justiça e o resto da ladainha. O sr. procurador-geral adjunto e demais acólitos juristas envolvidos no "TMI" acham que os tribunais a sério servem, como consta da citação destacada acima, para proferirem "condenações morais e políticas"?...

A frase final do artigo é outra citação de mais um dos responsáveis por esta pouca vergonha, acerca dos propósitos do “TMI”. No seu desígnio moralizador aplica-se perfeitamente a este texto:
“ (…) é necessária uma "denúncia insistente" destes factos para que a população tome consciência da barbárie e inverta o curso político".
Depois de 20 de Fevereiro é possível que a algumas destas pessoas sejam cometidas responsabilidades políticas. Eu nem o cão os deixava levar a passear.

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