Autor? O Estado, claro. A costa de Cascais e do Estoril está a ser "requalificada". Detestamos a desordem das rochas, que ali estão, ao acaso, há milénios. Não suportamos as plantas que crescem onde lhes apetece, temos de "desmatar". Precisamos de betonar, "consolidar" arribas, permitir à população "usufruir" os belíssimos paredões que se constroem há décadas, e que se continuarão a construir por esse país fora.
Há uns tempos, numa assembleia de freguesia em que se discutia um orçamento que incluía pagar a um professor de Tai Chi para dar as suas aulas aos fregueses que o desejassem, pagar ateliers de pintura e outras "artes" a quem as poderia pagar do seu próprio bolso, pagar "acções praia-campo" a que qualquer freguês, rico ou pobre, pode mandar gratuitamente os seus filhos, financiar um deficitário posto médico onde o executivo e membros da assembleia têm direito a consultas gratuitas ("é necessário compensar-nos de alguma forma, que estamos aqui a trabalhar pela população, não é?", "afinal, não é isto que se faz em todo o país?", "o senhor é um idealista", "repare, isso é um mesquinhice, já viu o peso reduzido que isso tem sobre o orçamento?"), um membro da assembleia que, na oposição, se preparava para uma confortável abstenção, explicou-me que tudo isto era natural, pois as freguesias têm pouco poder e têm de descobrir coisas para fazer, em que possam gastar o dinheiro que têm à sua disposição.
O trágico é que o mesmo se passa, em escalas sucessivamente maiores, com os municípios e com o próprio governo. E assim vamos, com aulas de Tai Chi e TGV, passando por "requalificações do litoral", "mobiliário urbano" e "enchimento artificial da praias", aumentando o poder do estado, tornando-nos crianças a quem oferecem uns parques de diversões (que pena termos perdido a America's Cup... mas sempre ganhámos o Campeonato Mundial de Vela*!), habituando-nos a pedir sempre mais e mais, enquando se destrói um país e se quebra a espinha a um povo, lentamente.
* "Investimento" do Estado? 16 milhões de euros...
2005-01-30
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