Um dos maiores contributos intelectuais de Robert Lucas, prémio Nobel da Economia em 1995, foi a compreensão e medição da importância decisiva do capital humano na acumulação de riqueza. A captação deste capital, ainda na forma potencial, é essencial para o futuro económico e político de qualquer sociedade. Os americanos estão perfeitamente conscientes do desastre que resultará da alteração dos hábitos migratórios dos estudantes estrangeiros: uma parte substancial da investigação científica realizada nos EUA nas últimas décadas foi conseguida graças a eles. Em artigo recente para a Foreign Policy, Kenneth Rogoff lembrava, a propósito das consequências negativas resultantes da burocratização da concessão de vistos nos EUA:
[T]oday about 2.5 million foreigners with advanced degrees work in the United States, and many hold leading positions in science and industry and serve as key transnational links for the increasingly globalized U.S. economy. More than 30 percent of all Ph.D. recipients in U.S. science and mathematics programs are foreigners on student visas. In engineering, almost half of all graduates have come to the United States on foreign visas; many of them stay in the country upon completing their degrees. The U.S. economy grows in no small part by skimming the cream off the rest of the world’s workforce.O assunto foi retomado ontem por Fareed Zakaria, num artigo publicado no Washington Post: a procura de licenciaturas dirigida às universidades americanas por parte de alunos oriundos de países “exportadores” de capital humano tem vindo a decair e o declínio da procura é ainda maior ao nível das pós-graduações.
Esta situação cria uma oportunidade inesperada para a Europa: as universidades europeias constituem uma alternativa possível para uma parte significativa do capital humano internacional normalmente captado pelas universidades americanas.
Está a Europa em condições de competir pela captação destes valiosos recursos? Nem pensar. Um artigo publicado no The Economist em 23 de Setembro dava conta do estado lamentável das universidades europeias. De acordo com números da Comissão Europeia citados no artigo, cerca de 400 000 investigadores europeus estão nos EUA e 3 em cada 4 não tencionam regressar. Dados da OCDE citados noutro artigo da mesma revista revelam que entre 1998 e 2002 a procura de estudantes estrangeiros dirigidos às universidades americanas sofreu um notório declínio. Mas a procura dirigida às universidades inglesas, francesas e alemãs também diminuiu: os “ganhadores” foram a Austrália e o Japão. Na edição de 19 – 21 de Novembro, o Wall Street Journal Europe (link indisponível) dava conta do descontentamento dos dirigentes da Siemens AG com a qualidade dos estudantes universitários formados na Alemanha. De acordo com o presidente da German Industry Federation, o sistema universitário alemão, burocrático e incompetente, é o principal responsável pela “fuga de cérebros” para os EUA.
Aparentemente o risco adicional criado pelas condições de insegurança não se revela suficiente para impedir os estudantes europeus de emigrarem de forma irreversível para os EUA, muito menos para atrair alunos de outros continentes.
Note-se: a questão não é a incapacidade dos políticos europeus (com a ressalva da categorização e generalização abusiva) resolverem “o problema”. A lógica da Agenda de Lisboa, da “sociedade da informação”, é parte do problema e não da solução. É uma estratégia de controlo político ditada pela necessidade de subordinação da sociedade a “objectivos”, a “metas” que exigem “planos” e (claro) meios para os concretizar. Sempre com o Estado (ou o meta-Estado europeu) como o “Grande Timoneiro”, indicando o rumo, a direcção para um radioso futuro.
Cria-se capital humano com liberdade, não com cimeiras e legislação avulsa. São necessárias universidades europeias competitivas com as melhores universidades americanas, o que pressupõe liberdade de decisão por parte destas para tomarem as decisões cruciais: competir no mercado internacional de trabalho pelo recrutamento dos melhores professores, escolherem os programas e currículos que consideram susceptíveis de atrair quem pretende a melhor formação, desenvolver programas ambiciosos de investigação, etc. Tudo isto depende primeiramente de conferir liberdade às universidades para cobrarem propinas “a sério” e para procurarem financiamentos privados, que permitam a criação e sustentação destas condições.
Captar investimento é atrair os melhores investigadores futuros: as verdadeiras “agências portuguesas de investimento” são as universidades, não são organismos que se limitam a oferecer prémios fiscais à localização de empresas que trazem as “tecnologias de ontem”. Esses organismos são erros crassos. Governar bem, nesta matéria, é não impedir quem sabe ensinar, investigar e criar riqueza de o fazer livremente.
É irónico que a chave para a manutenção duradoura da supremacia científica, tecnológica, económica e política dos EUA esteja provavelmente nos actos e omissões dos políticos europeus mais críticos do “poder americano”.
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