2004-11-30

Terrorismo e mito

Foi divulgada ontem uma nova gravação video da Al Qaeda, onde Ayman Al-Zawahri, exibindo um sorriso malévolo, repete as ameaças "do costume". Do segmento da gravação exibido pela Al-Jazeera, fica a resposta à muito debatida questão da "preferência" presidencial da Al Qaeda: afinal era-lhes indiferente. Nas palavras de Al-Zawahri: "votem em quem vos apetecer, Bush, Kerry, ou no Diabo em pessoa".

Não é através destas gravações que se perceberá a natureza política do terrorismo islâmico ou o perfil e a origem dos jihadistas. Marc Sageman, um psiquiatra que trabalhou para a CIA, estudou as biografias de mais de 170 membros do movimento jihadista Salafi (Al Qaeda e organizações afins). Os interessantes resultados constam deste Understanding Terror Networks (University of Pennsylvania Press, 2004).

Um erro frequentemente repetido é o da explicação da adesão ao terrorismo pela pobreza (na versão dramatizada, a “fome” ou a “miséria”) o que implicitamente transfere a "responsabilidade" para os ocidentais (a pobreza é "obviamente" uma consequência da globalização).

Mas entre os 170 terroristas analisados por Sageman cerca de dois terços tinha origem na classe média e educação universitária (Sayed Qutb, uma das principais referências ideológicas dos jihadistas, era um professor e inspector do Ministério da Educação egípcio, anteriormente à sua adesão ao radicalismo islâmico). Em muitos casos os jihadistas são detentores de graus académicos, incluindo doutoramentos. A proporção de “homens de família” (casados e com filhos) é bastante elevada (cerca de 75%).

Outra sugestão de Sageman, contrária ao senso comum, relaciona-se com a motivação do terrorismo islâmico: o extremismo religioso parece desempenhar um papel essencialmente instrumental, de discurso ideológico susceptível de atrair operacionais. Entre os membros da Al Qaeda analisados no estudo, eram muito poucos os que tinham frequentado as escolas religiosas islâmicas (as madrassah).

Afinal o que é que "eles" querem”? Walter Laqueur em Voices of Terror (Reed Press, 2004), recorda que o terrorismo não deve ser confundido com uma ideologia; trata-se de uma estratégia política e como tal tem objectivos claros. Na secção 1 da Parte 3 deste livro, Terrorism in the Muslim World, o principal objectivo dos jihadistas, está enunciado de forma simples e directa, em comunicados e manifestos do Hamas e da Al Qaeda: pretendem a restauração do Califado e o regresso do Islão a uma posição de domínio político internacional.

Se achar a ideia de "islamização do Ocidente" uma "impossibilidade", recue uns séculos na história europeia (até ao domínio otomano de boa parte do continente) ou leia o que o historiador Bernard Lewis pensa sobre o assunto. Mesmo que não se importe de viver no “Califado da Europa” não tem razões para estar sossegado: feito em pedaços como vítima de mais um atentado sangrento poderá ser mais útil à “causa”.

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