2004-11-26

O Longo Êxodo

Os EUA comemoraram ontem o Dia de Acção de Graças. A propósito desta comemoração, George F. Will escreveu um notável texto, recordando a coragem e a determinação dos colonos que no séc. XIX ajudaram a construir o “império da Liberdade” de que falava Thomas Jefferson, ocupando os territórios remotos e inóspitos do Dakota, do Nebraska e do Montana.

Uma grande parte desses colonos eram os "desgraçados da Europa", que se recusavam simplesmente a morrer sem tentar sobreviver. Muitos morreram logo na viagem. Os que chegavam ao outro lado do Atlântico e ainda tinham ânimo para partir de novo recebiam um título de posse de cerca de 65 hectares de terra a troco de 18 dólares. A partir daí estavam entregues a si próprios.

Esta mistura de determinação, direitos de propriedade e vontade de liberdade ergueu os EUA. É a memória desses antepassados europeus que George Will evoca no Thanksgiving Day.

Mais de um século depois, o êxodo continua. A vontade de fuga é a mesma, mas os emigrantes europeus mudaram radicalmente. Se no séc. XIX eram os descamisados, a “escória da Europa” em fuga aos múltiplos despotismos, agora são os melhores e mais habilitados, em fuga a uma Europa envelhecida, sufocada pela hiper-regulação e pelo ónus fiscal das despesas sociais. Num estudo recente, Gilles Saint-Paul, da Universidade de Toulouse, conclui que a evidência empírica disponível sugere a existência de um efeito muito significativo de “desnatação” da força de trabalho europeia.

A proporção de PhD’s entre os emigrados europeus nos EUA é de cerca de 10%, enquanto que a mesma proporção entre a população europeia é de cerca de 0,5 a 1%. Outras diferenças estatisticamente significativas (em termos de ensaio de hipóteses): os emigrados europeus nos EUA têm uma taxa de emprego mais elevada do que a taxa de emprego americana, têm uma probabilidade várias vezes maior de ter um doutoramento do que o participante médio no mercado de trabalho americano e representam uma percentagem elevada dos empresários.

Os efeitos negativos sobre o crescimento económico europeu podem ser tremendos e estão claramente subestimados na generalidade dos estudos empíricos pelo tratamento indiferenciado dos diversos tipos de trabalho, que subestima tremendamente a importância crucial do trabalho especializado na inovação e gestão.

Se a hipótese (incorrecta) da homogeneidade do trabalho for abandonada, cerca de 50% do trabalho especializado europeu - o factor decisivo no crescimento económico - poderá estar nos EUA.

Os americanos agradecem e, com um “subsídio” ao seu bem estar desta grandeza, podem muito bem continuar a aturar o desprezo político da generalidade dos europeus por mais um século.

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