2003-11-11

Sinais de Fernando Alves

Na TSF, volta e meia, ouvimos os "Sinais" de Fernando Alves. Na passada sexta-feira, falou sobre Infravermelhos:
Em algumas das grandes cidades dos EUA, nomeadamente na área de Detroit, estão a surgir, com uma frequência que começa a alarmar as autoridades, casos de automobilistas que mudam a seu belo prazer a cor dos semáforos. Munidos de um comando à distância, os automobilistas conseguem passar os semáforos para verde sempre que o desejem. Basta que disponham de um transmissor móvel de infravermelhos, que pode ser accionado a 500 metros de distância dos semáforos. O aparelho custa 300 dólares, e até agora era apenas usado pela polícia e pelos bombeiros. O que preocupa as autoridades é que em algumas cidades dos estados unidos as vendas destes aparelhos dispararam, e já foram mesmo detectadas situações de abuso. Um senador norte-americano veio a público considerar que "estamos diante de uma situação potencialmente letal". O jornal Independent contava a história, há dias, e sublinhava que a venda deste comando à distância nem sequer é ilegal, já que os transmissores de infravermelhos não são abrangidos pelas restrições da lei federal.

Esta é uma história claramente americana, que não provocará mais do que sorrisos de circunstância na urbana loucura normal. O império da velocidade e a lei da selva, com os seus pobres escapismos, acolhe com razoável tolerância, muitas vezes, este catálogo de novidades. Tipos como eu, ou como você, gostariam de ter um comando de infravermelhos, e seriam até tentados a usá-lo uma vez por outra. Do mesmo que, mais do que uma vez por outra, accionam a esperteza saloia, e passam três ou quatro lugares adiante na fila. Mas esta é, no seu código de barras, uma história americana. Uma história da américa que, para usar uma imagem do poeta espanhol Luis Izquierdo, que lá viveu nos anos 60, se converteu numa caricatura, e com frequência, diz ele, dá sinais de sucumbir ao seu próprio poder. Izquierdo, o poeta, o professor de literatura na Universidade de Barcelona, o céptico, que no conjunto de poemas acabado de editar, inclui um exaltando o dom de poder respirar entre a asfixia, interroga-se sobre o rumo das coisas numa sociedade que elege a imagem do Exterminador para um cargo de alta responsabilidade política, e pergunta: "como podemos estranhar que um tipo entre num restaurante com uma bazuca nas mãos, se é isso justamente que aprendem os jovens norte-americanos?" Ora pergunto, a bazuca e o comando de infravermelhos, que permite mudar a cor dos semáforos, são ou não armas de um mesmo arsenal? E se a resposta, como creio, for sim, porque raio se nos escapa, mesmo mastigado com a indignação avulsa, um sorriso condescendente quando escutamos notícias como esta? Notícias da esperteza saloia que nos aponta, a todo o instante, uma nova arma.
Ou a demonstração de que para o anti-americanismo primário qualquer pretexto serve.

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