2004-08-01

OMC

Aparentemente as negociações na OMC resultaram na decisão de eliminar os subsídios à agricultura na União Europeia e nos EUA. Se assim for, são excelentes notícias para quase todos, excepção feita aos José Bovés destes mundo e às suas Confédérations Paysannes, por parte de quem se aguardam a qualquer momento as acções violentas usuais.

Ou talvez não. É que, apesar de o tom das notícias e das declarações ser de claro optimismo, a verdade é que não só não se trata ainda de uma decisão final, não só os prazos e os termos exactos da eliminação dos subsídios não estão ainda estabelecidos, como receio que a UE esteja já a preparar uma resposta inteligente, embora perversa: travestir os subsídios à agricultura em pagamentos de serviços ambientais prestados pelos agricultores à comunidade. Talvez seja um daqueles casos em que tudo muda para tudo ficar na mesma. Esperemos que não.

2004-06-24

Vitória!

Estou feliz! Enganei-me!

2004-06-15

Fanatismo na primeira pessoa

O MEMRI continua a divulgar documentos impressionantes. Desta vez um relato na primeira pessoa do ataque de dia 29 de Maio, em Khobar, Arábia Saudita. O documento merece ser lido na íntegra, mas não resisto a deixar alguns excertos:
As soon as we entered, we encountered the car of a Briton, the investment director of the company, whom Allah had sent to his death. He is the one whose mobile phone on the seat of his car, with the blood on it, they kept showing [on television]. We left him in the street.

We went out, and drove our car. We had tied the infidel by one leg [behind the car]. We left the company [compound] and met the patrols. The first to arrive was the jeep of a patrol, with one soldier, and we killed him. With the rest we exchanged fire, and we got through.

[...]

The infidel's clothing was torn to shreds, and he was naked in the street. The street was full of people, as this was during work hours, and everyone watched the infidel being dragged, praise and gratitude be to Allah.

[...]

We entered one of the companies' [offices], and found there an American infidel who looked like a director of one of the companies. I went into his office and called him. When he turned to me, I shot him in the head, and his head exploded. We entered another office and found one infidel from South Africa, and our brother Hussein slit his throat. We asked Allah to accept [these acts of devotion] from us, and from him. This was the South African infidel.

[...]

We went to one of the buildings. Brother Nimr, may Allah's mercy be upon him, shoved the door until it opened. We entered and in front of us stood many people. We asked them their religion, and for identification documents. We used this time for Da'wa [preaching Islam], and for enlightening the people about our goal. We spoke with many of them.

At the same time, we found a Swedish infidel. Brother Nimr cut off his head, and put it at the gate [of the building] so that it would be seen by all those entering and exiting.

2004-06-13

Campanhas, reflexões e sondagens: restrições paternalistas

A existência de períodos legais para as campanhas eleitorais, o chamado período de reflexão e a proibição de campanha no dia das eleições, bem como a proibição da divulgação de sondagens, não passam de tiques paternalistas. Assumem que os cidadãos são irresponsáveis, devendo ser "protegidos" de informação que, imagine-se o escândalo, poderia "influenciar" os resultados eleitorais. Das duas uma, ou se entende que os eleitores são uma massa amorfa de indivíduos incapazes de pensar pela sua cabeça, ou se assume que são cidadãos completos, capazes de pensamento autónomo e de, face a toda a informação disponível, escolher como bem entenderem. Neste último caso, que me parece a única suposição aceitável num estado liberal, a proibição da campanha ou, pior, da divulgação de sondagens no dia da eleição não passa de uma forma de sonegar informação que o eleitor poderia usar para conscientemente fazer a sua escolha. Quanto a períodos de reflexão, cada um constrói (ou não) o seu, como bem entender e sem precisar de "ajudas" estatais. Efeitos "perversos" de eliminar estas restrições paternalistas, só se forem os da democracia em si, bem conhecidos, mas relativamente aos quais ainda está para chegar quem proponha alternativa convincente. Reconhecendo a democracia como a solução possível, então tem de se aceitar o resultado maioritário das decisões individuais, tomadas em consciência e com acesso a toda a informação disponível.

2004-06-12

Patriotismos de pouca dura

Estava na Escolar Editora quando, vindo do café em frente, se ouviu o público cantar o hino nacional com emoção, antes de se iniciar o jogo entre Portugal e a Grécia. Senti um arrepio ao ouvi-lo. Mas resisti. Será já um lugar comum, mas não menos verdadeiro por isso: é um patriotismo fácil e efémero, este do futebol. Prognostiquei uma derrota logo no primeiro jogo, o rápido arriar das bandeiras nacionais que por aí pululam, e hinos cantados com bem menos vigor nos próximos jogos. Não sei se me alegre com o rápido desaparecimento deste patriotismo deslocado, se me entristeça com o fim da última forma de patriotismo que nos resta.

2004-06-10

"Morto pela Morte Inexorável e Morto pela Campanha Evitável"

As campanhas são estúpidas, é certo. A morte é triste, sobretudo de um homem bom. Mas, por mais que tente, não vejo ligação entre as duas coisas. Ou, pelo menos, não a vejo da mesma forma que Pacheco Pereira e outros cujas opiniões fui ouvindo. Sousa Franco morreu em campanha, como poderia ter morrido a passear. Morreu, como todos morreremos. Mas morreu a fazer o que queria, como queria, convicto, em total liberdade. Pode-se morrer melhor?

Tentamos sempre encontrar nexos de causalidade para os acontecimentos mais importantes. Tem de haver um responsável. Alguém perverso. Alguém estúpido. Mas o que é perverso, o que é estúpido, o que é a causa última da nossa morte, é a vida. Simplesmente.

2004-04-23

Vale tudo

Francisco Louçã, no Público de hoje, refere como patética uma cena ocorrida na última conferência de imprensa de Bush, que transcreve como se segue:
Na semana passada, pouco depois de ter perdido o controlo de algumas das principais cidades iraquianas, George W. Bush tomou a iniciativa excepcional de promover uma conferência de imprensa para se explicar. Mas quando os jornalistas insistiram em perguntar que erros tinham sido cometidos, o Presidente balbuciou: "Tenho a certeza de que alguma coisa me virá à ideia no meio desta conferência de imprensa, com toda esta pressão de tentar arranjar uma resposta, mas ainda não veio. Eu ainda não... vocês põem-me aqui debaixo dos projectores e talvez eu não seja rápido... tão rápido quanto devia para arranjar uma". Bush concluiu que era melhor que lhe tivessem dado previamente a pergunta por escrito.

Ao assistir a esta cena patética, alguns terão pensado nas semelhanças entre Bush e Nixon. Muitos mais têm argumentado que a história se repete sempre como tragédia e que o Iraque é um novo Vietname. Estão enganados: o Iraque é muito pior.
A conferência de imprensa encontra-se transcrita nas páginas de Casa Branca. Transcrevo a parte tra(duz)ida por Louçã:
Q: Thank you, Mr. President. In the last campaign, you were asked a question about the biggest mistake you'd made in your life, and you used to like to joke that it was trading Sammy Sosa. You've looked back before 9/11 for what mistakes might have been made. After 9/11, what would your biggest mistake be, would you say, and what lessons have you learned from it?

THE PRESIDENT: I wish you would have given me this written question ahead of time, so I could plan for it. (Laughter.) John, I'm sure historians will look back and say, gosh, he could have done it better this way, or that way. You know, I just -- I'm sure something will pop into my head here in the midst of this press conference, with all the pressure of trying to come up with an answer, but it hadn't yet.

I would have gone into Afghanistan the way we went into Afghanistan. Even knowing what I know today about the stockpiles of weapons, I still would have called upon the world to deal with Saddam Hussein. See, I happen to believe that we'll find out the truth on the weapons. That's why we've sent up the independent commission. I look forward to hearing the truth, exactly where they are. They could still be there. They could be hidden, like the 50 tons of mustard gas in a turkey farm.

One of the things that Charlie Duelfer talked about was that he was surprised at the level of intimidation he found amongst people who should know about weapons, and their fear of talking about them because they don't want to be killed. There's a terror still in the soul of some of the people in Iraq; they're worried about getting killed, and, therefore, they're not going to talk.

But it will all settle out, John. We'll find out the truth about the weapons at some point in time. However, the fact that he had the capacity to make them bothers me today, just like it would have bothered me then. He's a dangerous man. He's a man who actually -- not only had weapons of mass destruction -- the reason I can say that with certainty is because he used them. And I have no doubt in my mind that he would like to have inflicted harm, or paid people to inflict harm, or trained people to inflict harm on America, because he hated us.

I hope I -- I don't want to sound like I've made no mistakes. I'm confident I have. I just haven't -- you just put me under the spot here, and maybe I'm not as quick on my feet as I should be in coming up with one.
Para Louçã, vale tudo.

2004-04-20

Há esperança

Palestinianos apelam a resistência pacífica:
We the undersigned, the sons of the Palestinian people, from various political, ideological, and social frameworks that are united in their struggle and steadfastness, condemn Israel's blatant aggression against our people, which was manifested a couple of days ago in the criminal and base act carried out by Sharon and his extreme right-wing gang that led to the martyr death of the leader Sheikh Ahmad Yassin and his freedom-fighting companions.

[Even while] we stress the rights of our people, which have been confirmed by all the international treaties, [and stress our right] to use all means to defend our people, even if we explode from pain at the terrible tragedy, we call upon the sons of our people across the homeland to [do as] the national interest dictates: To take the initiative from the hands of the criminal occupation gang, to contain the rage, and to rise up again a non-violent Intifada of the masses, broad in scope, with clear goals and [a] sane message, to be initiated and led by our freedom-fighting people.

[This Intifada] will make Sharon miss the opportunity to crown his aggression against our people and against the holy places with the final touches of his security plan.

As we appeal [to make] this Intifada of unity a step toward reawakening to popular activity, purposeful and disciplined, with a clear program and [expected] political yield, we stress our commitment to our just and legitimate demands and to our rights. We call for the unification of the ranks, based on national unity and a united leadership resisting the occupation.

Enough of the criminal assassination operations. Enough of the bloodshed. Enough of the occupation.
Muito céptico, desejo-lhes o maior sucesso no apelo e espero que a nova forma de resistência tenha bons resultados.

2004-04-18

Dito e feito

Zapatero decidiu antecipar o cumprimento da sua promessa de retirar as tropas do Iraque no caso de a ONU não tomar o controlo da situação até Junho: a retirada das tropas espanholas será imediata. Sempre se poupam uns quantos soldados espanhóis mortos e, quem sabe, talvez Bin Laden cumpra a sua promessa e a Espanha se livre de mais atentados. Deixaram de ser necessárias as negociações com terroristas propostas por Mário Soares. Basta ceder-lhes. Até que, um dia, "a bandeira do Islão [se erga] sobre o número 10 de Downing Street" e, antes, sobre La Moncloa.

2004-04-15

Bush escreve a Sharon

A carta que Bush escreveu a Sharon começa por saudar como corajoso o plano de Sharon que prevê o desmantelamento total dos colonatos da Faixa de Gaza e parcial dos colunatos na Cisjordânia. Até aqui nada a dizer: é um passo na direcção certa. Bush depois apresenta um conjunto de exigências à autoridade palestiniana, que incluem a sua demarcação clara de actos de violência contra Israel. Aqui a posição de Bush pode começar a ler-se como pró-israelita. De facto, Bush não se limita a exigir acções contra o incitamento do terrorismo, da matança indiscriminada de civis, mas afirma que os palestinianos "must undertake an immediate cessation of armed activity". O problema é que, independentemente de poder ter havido no passado boas razões para isso, os palestinianos vivem sob ocupação e têm o direito de a combater. O fim desses combates não pode ser exigido como condição prévia para as negociações, mas sim como resultado delas. Há que distinguir muito claramente entre combate contra uma ocupação e terrorismo, e Bush não o faz. E há que fazer muito claramente essa distinção mesmo que os palestinianos não a façam. Bush continua dizendo que a resolução do problema do retorno dos refugiados palestinianos tem de passar por permitir o seu regresso não às localidades de origem, mas a um novo estado da Palestina, a criar. A posição parece realista, mas peca por não prever qualquer contrapartida para o facto de os refugiados não poderem regressar a casa. Bush depois afirma que o muro que Israel está a construir "should be a security rather than political barrier, should be temporary rather than permanent, and therefore not prejudice any final status issues including final borders". Parece também uma posição sensata, bem como a afirmação de que é irrealista esperar que as fronteiras de 1949 venham a ser as fronteiras definitivas entre os estados de Israel e da Palestina. Mas não podemos, no meio de tanta aparente sensatez, deixar de notar que as cedências mais significativas recaem quase todas sobre os palestinianos. Bush não deixa claro, por exemplo, se a manutenção de alguns colonatos na Cisjordânia (aparentemente seis, com um total de cerca de 100 000 colonos, segundo a BBC World, presumindo-se que a maioria há menos de 25 anos), corresponderá à cedência por Israel algum do seu território. O problema é que não basta que os EUA, e Bush em particular, esteja empenhado no estabelecimento de uma Palestina "viável, contígua, soberana e independente". É preciso mais. É preciso que a solução encontrada seja justa. Se é fundamental que não se ceda ao terrorismo, também o é que não se deixe, em nome do seu combate, de ceder naquilo que é justo. Temos de ter a força e a coragem de tornar o terrorismo irrelevante. As causas justas devem ser defendidas, mesmo que sejam apoiadas por terroristas.

2004-04-05

"Ensaio sobre a mentira" ou da honestidade jornalística

A palavra "mentir" pode ser utilizada no sentido de "errar no que diz ou conceitua" (Novo Aurélio Séc. XXI). Neste sentido não implica a consciência de se estar a fazer uma afirmação falsa. No entanto, o sentido mais comum da palavra é o de "afirmar coisa que se sabe ser contrária à verdade" (Novo Aurélio Séc. XXI). Nuno Pacheco sabe bem que quando afirma "Colin Powell mentiu" será assim interpretado, mesmo que mais tarde diga que, se Colin Powell o fez, "não [foi] por culpa dele" (admito que por "não ter culpa" Nuno Pacheco entenda que Colin Powell não sabia que o que estava a afirmar não correspondia à verdade). A escolha do verbo "mentir" não pode ter sido inocente. Destinou-se provavelmente a fazer passar por verdadeira uma afirmação que Nuno Pacheco não sabe (nem pode ainda saber) se corresponde à verdade, por muito convencido que esteja disso. É que não só Colin Powell não confessou ter mentido, como não há qualquer prova de que o tenha feito (as declarações de Colin Powell estão aqui).

Mas Nuno Pacheco tem razão quando diz que este caso tem de ser muito bem investigado, para que não se volte a repetir. Esperemos que os inquéritos em curso nos EUA lancem um pouco de luz sobre este assunto.

2004-03-19

Actualização

O Público cita algumas das afirmações de Mário Soares na conferência de ontem:
Para fazer a paz não vale a pena falar com os que fazem a guerra? ... Como conseguimos a paz nas ex-colónias? Tivemos que falar com os que faziam a guerra, na altura também considerados terroristas ... Há hoje dúvidas no mundo inteiro e nos próprios Estados Unidos acerca da eficácia e da adequação da sua luta antiterrorismo, com a ajuda de outros Estados, até agora, o Reino Unido, a Itália e a Espanha. ... Quais são os objectivos Al-Qaeda? O que os motiva? ... A pobreza, as dificuldades sociais e o desemprego [levam os muçulmanos para as esolas corânicas]. ... Há uma galáxia que não conhecemos bem e a única maneira é tentar percebê-la. Perceber o outro é fundamental. ... Esmagando-os não chegamos a lado nenhum. Não podemos matar um terço da humanidade. ... Se fosse necessário falar com Hitler para evitar um ano de guerra, valia a pena. ... Se mudar a Administração norte-americana [será possível um entendimento entre os Estados Unidos e a Al Qaeda]. ... Se é o Osama bin Laden o responsável pelo 11 de Setembro, os Estados Unidos da América têm como falar com ele. Era amigo da família Bush.
Algumas notas:
  1. Tenho alguma relutância em usar a palavra "guerra" para descrever o que a Al Qaeda faz. Mas admitamos que sim. Será que, para fazer a paz, vale a pena falar com a Al Qaeda? A resposta não pode ser senão negativa. Por vezes a paz faz-se fazendo a guerra. A Al Qaeda tem de ser aniquilada, simplesmente.
  2. Nas ex-colónias conseguimos a paz? Talvez para nós, continentais. Os povos das ex-colónias lá estão para nos contar que tipo de paz fizemos nós com tanta conversa.
  3. Salvo excessos de parte a parte, a guerra colonial foi isso mesmo: uma guerra. Guerrilheiros contra soldados. A palavra "terrorista" sofreu muitos abusos, mas no caso da Al Qaeda está muito bem aplicada.
  4. Há dúvidas sobre a guerra ao terrorismo? Claro que há. Muitas e legítimas. Mas propor o diálogo com quem ordenou o assassínio de milhares de civis não é uma alternativa. É uma capitulação. Uma cobardia.
  5. É importante conhecer a Al Qaeda? Claro! Como é importante conhecer a mente de um psicopata. Não para negociar ou conversar com ele. Mas para melhor o dominar, para melhor o vencer, para o poder punir, para fazer justiça.
  6. Esmagar os muçulmanos? Matar um terço da humanidade? De que fala Mário Soares? Quem propôs semelhante coisa?
As restantes afirmações são demasiado repugnantes para merecerem comentário.

Dialogar com a Al Qaeda?

Segundo ouvi agora na TSF, Mário Soares terá dito que devemos dialogar com a Al Qaeda. Terá mesmo dito que dialogar com Hitler teria sido apropriado se se evitasse um ano de guerra. A capitulação é total. Mário Soares perdeu, com tais afirmações, o pouco crédito que ainda me merecia. Um estado liberal e democrático só tem uma forma de agir perante terroristas: persegui-los, prendê-los e julgá-los. É essa a sua única forma aceitável de "diálogo".

2004-03-17

Pois...

O ABC revela um comunicado em que as brigadas de Abi Hafs el Masri voltam a reclamar a autoria do massacre de 11 de Março em Madrid e em que anunciam a suspensão dos ataques em Espanha, dados os resultados das eleições: "la dirección de Al Qaeda detendrá estas acciones en España hasta que conozcamos las tendencias del nuevo gobierno, que ha prometido la retirada del ejército español de Irak y comprobemos que no interviene en los asuntos de los musulmanes". Zapatero deve estar orgulhoso com tamanha vitória na guerra contra o terrorismo.

(Via O Comprometido Espectador.)

Colectivismo?

João Miranda chama a atenção dos que têm criticado a Espanha dizendo que adoptam uma atitude "profundamente colectivista". Acho que se engana. A maioria dos críticos da vitória de Zapatero não põem em causa a sua eleição perfeitamente democrática e legítima. Limitam-se a observar como, aos olhos da Al Qaeda, os atentados terão o efeito pretendido: retirar as tropas espanholas do Iraque. Para a Al Qaeda, e para muitos potenciais terroristas, tornou-se evidente que os massacres funcionam, mesmo que ninguém individualmente possa ser acusado de negociar com terroristas. O problema é justamente que a relação causa-efeito (massacre - futura retirada do Iraque) surgiu por intermédio de uma decisão "colectiva" feita de um agregado de decisões individuais, que provavelmente tiveram mais em conta as supostas ocultações da verdade por parte do governo de Aznar do que o desejo de retirar do Iraque para sair da atenção dos terroristas. Não discuto, ao contrário do próprio João Miranda, quais são os interesses da Espanha. A Espanha não tem interesses, quem os tem são os espanhóis. Foi a soma destes interesses individuais e divergentes que resultou na vitória de Zapatero. Estou firme e democraticamente convencido que foi um mau resultado, com péssimas consequências no combate ao terrorismo, e que muitos espanhóis o virão a lamentar.

2004-03-15

España ou a cobardia democrática

Zapatero prometeu a retirada das tropas espanholas do Iraque em Junho, caso vencesse as eleições e a ONU não tomasse conta da situação nessa altura (ver programa eleitoral do PSOE). Como a promessa foi feita antes dos ataques terroristas, o seu cumprimento não poderá ser visto como uma resposta à barbárie de 11 de Março. Os espanhóis também não ficarão com peso de consciência. Afinal, votaram no PSOE para penalizar aquilo que viram como uma manipulação do governo de Aznar, ao começar por atribuir a responsabilidade da barbárie à ETA. Esquecem que muitos, quase todos, face às detenções recentes de membros da ETA que levavam consigo 500 kg de explosivos para os colocar numa estação de comboios, começaram por ter essa mesma convicção, que de resto não partilhei. Esquecem que o governo de Aznar, no Sábado, face aos indícios entretanto surgidos, já atribuía maior probabilidade à pista da Al Qaeda, anunciando mesmo a detenção de cinco cidadãos de origem marroquina e indiana. Sem que ninguém assuma essa escolha, sem que ninguém se considere responsável, a Espanha escolheu democraticamente a cobardia. A Espanha claudicará face à Al Qaeda. A Espanha, sem que ninguém tenha negociado com terroristas, agirá como se isso tivesse sido feito. Bin Laden ganhou, mesmo que ainda se venha a descobrir a mão da ETA neste assassínio em massa.

Ou talvez não. Talvez Zapatero encontre justificação para se manter no Iraque. Esperemos que sim.

2004-02-02

Ser português

Ainda hoje disse que não havia nenhuma característica que identificasse o que é ser português. Ou que, a haver, seriam apenas defeitos, dos quais não perderíamos nada em desfazermo-nos. Mas agora, acabado o Belle Époque, engoli as minhas palavras. Não, não foi o filme em si que me fez reconhecer a verdade. Foi a sensação estranha, durante todo o filme, de conhecer aquele casarão, aquela estação de comboio, aquela paisagem. De estar em casa. No final, lá estava: filmado em Arruda dos Vinhos, Azambuja, Sobral de Monte Agraço e Estremoz.

2004-02-01

O que significam os números

A forma leviana como os média tratam os números, sendo um tema recorrente, é suficientemente importante para que se deva insistir nele. Por trás desta insensibilidade aos números está uma cada vez maior ignorância de matemática, uma ignorância que, de resto, se começa a exibir com orgulho. Essa ignorância provavelmente atinge por igual jornalistas e leitores. Quantos leitores do DN terão reparado no absurdo de dizer que um veleiro transportava 6 000 toneladas de haxixe? Admitamos que estou errado e que muitos, quase todos, perceberam que onde estava "toneladas" se devia provavelmente ler "quilos", reduzindo-se assim em três ordens de grandeza a dimensão da captura.

Mas quantos estarão alerta para erros semelhantes nos paineis informativos de uma entidade como o Oceanário? Foi lá que encontrei a extraordinária afirmação de que os seres humanos retiram anualmente do oceano 37 000 000 000 toneladas de produtos alimentares. Feitas as contas, são cerca de 6,2 toneladas por ano per capita. É demasiado. A magnitude do número levou-me a desconfiar e a fazer uma breve pesquisa.

Segundo a FAO, em 2001 a captura total de peixes, crustáceos, moluscos, etc., quer nos oceanos quer em águas interiores, foi de 92 356 034 toneladas e a captura de algas e outras plantas aquáticas foi de 1 295 987 toneladas. Ainda segundo a FAO, as produções anuais dos mesmos produtos em aquacultura foram de 37 851 356 e 10 562 279 toneladas, respectivamente. Ou seja, um total anual de 142 065 659 toneladas retiradas da água, quer por captura, quer como resultado de cultura.

Este valor é cerca de 260 vezes inferior ao indicado no Oceanário, correspondendo a cerca de 23 Kg anuais per capita, e não 6,2 toneladas. Assim, das três uma: ou há algum produto alimentar que se retira em enormes quantidades do oceano e que não está contemplado nos números da FAO reproduzidos acima, ou as capturas referidas pelo Oceanário se referem não a um ano mas, talvez, a toda a existência da humanidade, ou essas capturas estão simplesmente erradas. Inclino-me fortemente para a última hipótese.

2004-01-29

Moção da Assembleia Blogal do Picuinhices

Reunida a Assembleia Blogal do Picuinhices, com a presença do presidente da Assembleia e com a ausência justificada do Sr. Disblogue, foi apresentada e aprovada por unanimidade a seguinte moção:
Tendo em conta a crise económica em que o país vive, bem como a forma criteriosa como os dinheiros públicos (leia-se, retirados aos portugueses por intermédio dos impostos) devem ser gastos, deliberou esta assembleia dirigir à Assembleia Municipal de Lisboa as seguintes questões:
  1. A publicação de 11 (onze) moções da Assembleia Municipal de Lisboa no Diário de Notícias do dia 29 de Janeiro de 2004 era mesmo necessária?
  2. É atribuição da Assembleia Municipal de Lisboa propôr uma alteração legislativa que permita o aborto livre "até às 12 semanas, a pedido da mulher, para uma maternidade consciente e para protecção da saúde da mulher", enquanto exprime "solidariedade para com as mulheres acusadas da prática de aborto em julgamento no tribunal de Aveiro"?
  3. É atribuição da Assembleia Municipal de Lisboa pronunciar-se sobre o agravamento das "desiguldades sociais e [do] nível de vida", que "conduzirão inexoravelmente ao aumento da pobreza e da exclusão social", causados pelos aumentos de preços?
  4. É atribuição da Assembleia Municipal de Lisboa pronunciar-se "no sentido de [...] sensibilizar [os representantes de todos os partidos na Assembleia da República] para esta injustiça de os mais poderosos serem aqueles que menos impostos pagam", sendo "os mais poderosos" "a banca"?
  5. É atribuição da Assembleia Municipal de Lisboa pronunciar-se sobre o congelamento dos ordenados da função pública e a retirada de "poder de compra aos trabalhadores", e manifestar apoio "aos trabalhadores na sua luta contra esta situação que degrada a sua qualidade de vida"?
  6. É atribuição da Assembleia Municipal de Lisboa pronunciar-se sobre a "macrocefalia" do aparelho de estado a pretexto do não pagamento de impostos municipais por parte de edifícios estatais?
  7. Não seria preferível que a Assembleia Municipal de Lisboa se dedicasse às razões da sua existência, nomeadamente restringindo-se às suas competências, conforme estabelecidas pelo Artigo 53º da Lei 169/99?
Deliberou ainda que esta moção fosse publicada no blogue oficial "Picuinhices".

O Presidente da Assembleia Blogal do Picuinhices

Picuinhas