A forma leviana como os média tratam os números, sendo um tema recorrente, é suficientemente importante para que se deva insistir nele. Por trás desta insensibilidade aos números está uma cada vez maior ignorância de matemática, uma ignorância que, de resto, se começa a exibir com orgulho. Essa ignorância provavelmente atinge por igual jornalistas e leitores. Quantos leitores do DN terão reparado no absurdo de dizer que um veleiro transportava 6 000 toneladas de haxixe? Admitamos que estou errado e que muitos, quase todos, perceberam que onde estava "toneladas" se devia provavelmente ler "quilos", reduzindo-se assim em três ordens de grandeza a dimensão da captura.
Mas quantos estarão alerta para erros semelhantes nos paineis informativos de uma entidade como o Oceanário? Foi lá que encontrei a extraordinária afirmação de que os seres humanos retiram anualmente do oceano 37 000 000 000 toneladas de produtos alimentares. Feitas as contas, são cerca de 6,2 toneladas por ano per capita. É demasiado. A magnitude do número levou-me a desconfiar e a fazer uma breve pesquisa.
Segundo a FAO, em 2001 a captura total de peixes, crustáceos, moluscos, etc., quer nos oceanos quer em águas interiores, foi de 92 356 034 toneladas e a captura de algas e outras plantas aquáticas foi de 1 295 987 toneladas. Ainda segundo a FAO, as produções anuais dos mesmos produtos em aquacultura foram de 37 851 356 e 10 562 279 toneladas, respectivamente. Ou seja, um total anual de 142 065 659 toneladas retiradas da água, quer por captura, quer como resultado de cultura.
Este valor é cerca de 260 vezes inferior ao indicado no Oceanário, correspondendo a cerca de 23 Kg anuais per capita, e não 6,2 toneladas. Assim, das três uma: ou há algum produto alimentar que se retira em enormes quantidades do oceano e que não está contemplado nos números da FAO reproduzidos acima, ou as capturas referidas pelo Oceanário se referem não a um ano mas, talvez, a toda a existência da humanidade, ou essas capturas estão simplesmente erradas. Inclino-me fortemente para a última hipótese.
2004-02-01
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