2003-10-25

O que diz José Goulão De novo na revista Manifesto, José Goulão dedica-se a apresentar a sua teoria sobre a guerra contra o terrorismo. De uma forma inteligente, apresenta factos e factóides, junto com insinuações subtis, destinadas a fazer com que o leitor pense construir por si a teoria da conspiração que na realidade lhe está a ser inculcada pelo autor. A primeira insinuação tem a ver com as energias alternativas:
A "guerra ao terrorismo" reforçou o poder imperial militar e político sobre os recursos energéticos do planeta, situação determinante para as relações no Mundo, enquanto a Ciência não encontrar alternativas aos combustíveis fósseis. Uma área de atraso evidente - e intrigante - quando em tantas outras os progressos são exaltantes.
Note-se bem que José Goulão não afirma nada de mais. Diz apenas que é "intrigante". Mas intrigante porquê? O objectivo de José Goulão é claro. Destina-se a levar o leitor a concluir, erroneamente, que o atraso resulta da vontade dos EUA de manter o mundo dependente do petróleo. A sugestão não faz qualquer sentido. Os EUA têm todo o interesse em aceder a formas de energia mais baratas ou a fornecimentos alternativos de petróleo. Acontece simplesmente que não é fácil. Na ciência como na técnica há mundo de aleatório na forma como o conhecimento avança.

Outra insinuação tem a ver com a altura em que ocorreu a primeira guerra do golfo:
A invasão do Kuwait, estranhamente "colada" ao fim da guerra Irão-Iraque, a um período muito alto do movimento popular palestiniano contra a ocupação israelita (Intifada - a revolta das pedras) e ao desmoronamento da União Soviética, proporcionou a maior coligação militar de sempre, sob liderança dos Estados Unidos e a bandeira da ONU, a afirmação de uma única superpotência no contexto mundial e o enfraquecimento irreversível do regime de Saddam Hussein.
Repare-se no "estranhamente 'colada'". Que quererá José Goulão dizer com isto? Provavelmente que a invasão do Koweit foi, de alguma forma, provocada pelos próprios EUA, de forma a tirarem todas as vantagens apontadas.

Mais à frente, José Goulão justifica as sanções e os ataques dos EUA e do Reino Unido ao Iraque, entre a primeira e a segunda guerra do golfo, da seguinte forma:
Durante a década de 90, na falta de uma oposição credível ao regime de Bagdade e perante o receio norte-americano de que a Saddam sucedesse um quadro político e estratégico menos controlável, a opção por um regime iraquiano enfraquecido militarmente, impedido de exercer a soberania sobre a totalidade do território, tornou-se um vector da política externa dos Estados Unidos.
A afirmação é contraditória, pois reconhece a inexistência de uma oposição credível, mas afirma que os EUA receavam que a Saddam sucedesse um quadro político e estratégico "menos controlável". Não se percebe de onde vinha tal "receio", não havendo uma oposição credível. Talvez José Goulão pretenda dizer que não foi do interesse dos EUA derrubar Saddam no final da primeira guerra do golfo, o que teria levado inevitavelmente a uma mudança de regime. Mas, dado que José Goulão se opôs à segunda guerra do golfo, não se percebe como pode criticar o não derrube de Saddam 10 anos antes, sobretudo quando se opôs também à primeira guerra do golfo. Mas admito que não. Que José Goulão não queira dizer nada disto. Mesmo assim, é notável a ausência de qualquer referência à ameaça que Saddam representava para os países vizinhos, a existência, comprovada pelos inspectores da ONU, de armamento de destruição em massa, etc.

Segue-se uma explicação para a guerra ao terrorismo não ter (supostamente) produzido frutos:
A "guerra contra o terrorismo" colocou dois países, Afeganistão e Iraque, sob a liderança político-militar norte-americana; não conduziu à captura dos alegados cabecilhas terroristas, Bin Laden e Saddam Hussein [note-se bem que bin Laden é apenas "alegado" cabecilha terrorista]; não desmantelou qualquer organização terrorista; não travou, antes pelo contrário, os atentados terroristas. O clima caracterizado pela insegurança e pelas medidas de excepção, nos Estados Unidos e em regiões mais sensíveis do Mundo, mantém-se. A "guerra contra o terrorismo" provocou, até ao momento, uma alteração de fundo das relações internacionais e do contexto estratégico no Médio Oriente e na Ásia Central. Todas as mudanças são favoráveis ao domínio norte-americano sobre rotas e recursos naturais estratégicos.
Tudo encaixa. Os EUA beneficiaram com o terrorismo. Os EUA não capturaram bin Laden nem desmantelaram a Al Qaeda. A conclusão, sugerida apenas por José Goulão, parece óbvia: foram os EUA os instigadores do terrorismo da Al-Qaeda. A guerra ao terrorismo é uma cuidadosa encenação. Talvez bin Laden esteja escondido na Casa Branca e Saddam no Pentágono.

Acerca do detestável regime Arábia Saudita, diz que:
Seria ingenuidade admitir que os sauditas vivem com maior liberdade ou dignidade sob a monarquia waahbita do que os iraquianos viviam sob o regime de Saddam Hussein.
Centenas de milhares de mortos deram voltas nas valas comuns em que estão enterrados quando José Goulão escreveu estas palavras.

Segue-se uma explicação adicional para as sanções ao Iraque:
Ao assumirem o poder em Bagdade, os Estados Unidos apropriaram-se de reservas petrolíferas alternativas às sauditas - mantidas praticamente incólumes durante mais de dez anos - [...]
Como habitualmente, o segredo está nos pormenores. Neste caso é a sugestão subliminar de que as sanções económicas ao Iraque tiveram como objectivo, ou pelo menos como um dos objectivos, preservar o seu petróleo para o posterior saque. Mas, é claro, algo deve ter corrido mal com a apropriação do petróleo, pois parece que a intervenção irá custar muito dinheiro aos EUA.

E fico-me por aqui. Recomendo que comprem a Manifesto e a leiam. Aprende-se muito...

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