2003-07-31
Sobre o "Depósito" da Internet... José Luís Borbinha responde ao artigo Depósito obrigatório da internet portuguesa, de Pacheco Pereira. O artigo é longo, mas pode-se resumir numa expressão muito ouvida: falta de meios. Talvez seja verdade. Mas não poderá simplesmente haver alguma falta de iniciativa?
"Blogue Blogue" Diz Eduardo Prado Coelho no Público que um blogue "corresponde à criação de espaços na Internet onde uma pessoa ou um grupo de pessoas se sente autorizado a escrever sobre todos os assuntos que lhe interessarem". Note-se que EPC não diz "autoriza-se" mas sim "sente-se autorizado". Pois bem, eu não "me sinto autorizado" por ninguém a blogar o que entender. Autorizo-me a blogar o que entender. Este espaço é livre. Eu sou livre de escrever neste blogue, todos são livres de o ler ou de o não ler, e todos são livres de criar o seu próprio blogue. Não há qualquer autoridade aqui, só a nossa própria.
Diz ainda EPC que é possível que os blogues não passem de uma moda. Não creio. Os blogues desaparecerão, inevitavelmente, mas quando forem substituídos por outros conceitos ou outras ferramentas com novas valências. A liberdade de expressão profundamente democrática associada aos blogues, essa não desaparecerá.
Diz ainda EPC que é possível que os blogues não passem de uma moda. Não creio. Os blogues desaparecerão, inevitavelmente, mas quando forem substituídos por outros conceitos ou outras ferramentas com novas valências. A liberdade de expressão profundamente democrática associada aos blogues, essa não desaparecerá.
Um Muro ou uma Vedação? Mahmoud Abbas em entrevista à Newsweek acerca do muro em construção por Israel:
Há esperança de que isso venha a acontecer? Estou como o próprio Abbas:
It's a separating wall. It is built on our territories. It will create a de facto border. It is an uncivilized wall. I hope the Israelis remove it... The wall is a kind of settlement.A construção de um muro não me parece uma má ideia. Um período de separação física entre Israel e a futura Palestina poderia ser muito saudável. Hoje constrói-se o muro. Amanhã destruir-se-á, provavelmente em directo entre vivas e fanfarras, e os seus pedaços serão guardados como recordação de maus tempos que, espero, terão então passado. O pior... O pior é que aparentemente Sharon cedeu: o traçado do muro foi desviado da fronteira de 1967 de modo a envolver alguns colonatos israelitas. Isso é inaceitável e converte o muro num "muro incivilizado", como Abbas lhe chamou. Os colonatos devem ser desmantelados e o muro deve ser construído, mas sem entrar no território da futura Palestina.
Há esperança de que isso venha a acontecer? Estou como o próprio Abbas:
What's your impression of President Bush?Ou talvez não, talvez esteja um pouco mais céptico que Abbas. Quero acreditar, mas tenho muitas dúvidas. Duma coisa, no entanto, estou certo: Abbas é a melhor oportunidade para a paz na região dos últimos anos.
He is direct, to the point. He told us that he will stick to his vision about a Palestinian independent state and Israeli withdrawal to the '67 borders, and I believe that he means what he says.
2003-07-28
O Picuinhices teve um surto de visitas. Vindos de onde? Do MATA-MOUROS, que nos referiu como o melhor blogue na sua Revista de Blogues. Ficámos sem palavras. Só nos saiu isto:
Muito obrigado! Bem hajam!
Muito obrigado! Bem hajam!
Táxis de Graça para Noctívagos O Expresso anuncia que em breve haverá táxis grátis para os noctívagos lisboetas. A ideia pareceu-me má, por totalmente desresponsabilizante. Mas o pior veio depois: o custo será suportado, pelo menos em parte, pela Câmara Municipal de Lisboa. Isto é um verdadeiro escândalo. O estado não deve alimentar os vícios a ninguém. Se têm dinheiro para beber, poupem para o táxi. Dos meus impostos não.
Porque nos Matamos na Estrada Recebi um convite para o lançamento de um livro com este nome, escrito por Luís Reto e Jorge Sá. Marquei o evento na minha agenda e decidi que não só estaria presente, como também compraria o livro. Ontem comprei o Expresso*: na página 58 da revista Única [e não Actual, como escrevi inicialmente] vinham extractos do livro. Li-os com o interesse acrescido de ser um associado convicto (embora ultimamente demasiado ausente) da ACA-M:
Enfim, esperemos pela oportunidade de ler o livro na íntegra. Para já, saúdo a iniciativa dos autores de abordarem este tema que me é caro.
* Sim, sou desses que compram religiosamente o Expresso mas que o lêem entre praguejos e invectivas.
De facto, a velocidade é, como vimos, a transgressão que os condutores portugueses mais admitem praticar, mas que, no entanto, estes não destacam particularmente entre as causa de acidentes, num mecanismo de evidente desculpabilização.É inteiramente verdade que os portugueses se recusam a admitir a importância da velocidade como potenciadora não só do acidente como da sua gravidade. Aceito que a velocidade seja vista por muitos como um valor e até que isso seja uma característica das sociedades contemporâneas (embora "contemporâneas" aqui tenha provavelmente de abranger mais do que um século). Já me custa mais a admitir a afirmação de que a segurança é um valor preponderante do Estado, por oposição aos indivíduos, e que entre em conflito com a liberdade individual, mesmo quando esta é um "valor primeiro", pois uma verdadeira liberdade implica responsabilidade: na minha opinião não é a liberdade individual que entra em conflito com a segurança, mas sim a irresponsabilidade, pois o que está em causa é, acima de tudo, a vida dos outros utentes da estrada. Agora o que já me parece entrar no domínio da obsessão, é a sugestão de que a mundialização (leia-se "globalização") tem alguma coisa a ver com isto.
Esta vivência paradoxal da velocidade insere-se numa dimensão profunda das sociedades actuais. Com efeito, é de todos bem conhecido que as nossas sociedades contemporâneas elegeram a velocidade como um dos principais valores. A velocidade, tal como afirma Fiorella Toro (2002), é uma «manifestação de potência, um meio competitivo de diferenciação, uma fonte geradora de produtividade e de mobilidade e, sobretudo, uma componente essencial da gestão do tempo».
Por sua vez, em contraponto, a segurança, que a velocidade põe em risco, é um valor preponderante do Estado, que reivindicamos deste em permanência, mas cuja intervenção rejeitamos sempre que erigimos, como valor primeiro, a nossa liberdade individual.
É devido a esta contradição, que, aliás, os processos de mundialiação e consequente aumento de competitividade não param de agudizar, que se torna particularmente difícil fazer com que os condutores aceitem e interiorizem que a velocidade constitui uma das principais causas dos acidentes rodoviários.
Enfim, esperemos pela oportunidade de ler o livro na íntegra. Para já, saúdo a iniciativa dos autores de abordarem este tema que me é caro.
* Sim, sou desses que compram religiosamente o Expresso mas que o lêem entre praguejos e invectivas.
2003-07-27
Médio Oriente Vale a pena ler:
- Os Refugiados Palestinianos e Os Alemães Expulsos dos Países do Leste Europeu, de Schlomo Avineri, no Público.
- Israel Without Apology, de Sol Stern, na City Journal.
- Al-Qaradhawi Speaks In Favor of Suicide Operations at an Islamic Conference in Sweden, da MEMRI, com traduções de um relatório produzido pelo jornal londrino Al-Sharq Al-Aw e baseado no trabalho do Xeque Al-Qaradhawi.
Mitos Parte do anti-americanismo que infecta a Europa é baseado em mitos sem qualquer correspondência com a realidade. Noutros casos, baseia-se numa certa incapacidade para nos olharmos ao espelho: é muito mais fácil vermos defeitos nos outros. Por exemplo, na última coluna de Augusto M. Seabra no Público, afirma-se que "por marcadamente inigualitária que seja a democracia americana, ela tem, se calhar como poucas, mecanismos de verificação e controle". É impossível a um bom intelectual europeu fazer um elogio aos EUA sem na mesma frase os criticar. Vejamos, no entanto, se a crítica, que assumo referir-se à disparidade de rendimentos, tem razão de ser. De acordo com o Relatório do Desenvolvimento Humano 2003 das Nações Unidas (ver página 282), são os seguintes os índices de Gini de alguns países (valores de 0 a 100, onde 100 corresponde ao máximo de disparidade):
- Dinamarca: 24,7 (1997)
- França: 32,7 (1995)
- Alemanha: 38,2 (1998)
- Portugal: 38,5 (1997)
- Moçambique: 39,6 (1996-1997)
- China: 40,3 (1998)
- Estados Unidos: 40,8 (1997)
- Brasil: 60,7 (1998)
- Botswana: 63,0 (1993)
- Dinamarca: 21,3 / 2,6 = 8,1
- França: 25,1 / 2,8 = 9,1
- Moçambique: 31,7 / 2,5 = 12,5
- China: 30,4 / 2,4 = 12,7
- Alemanha: 28,0 / 2,0 = 14,2
- Portugal: 29,8 / 2,0 = 15,0
- Estados Unidos: 30,5 / 1,8 = 16,6
- Brasil: 48,0 / 0,7 = 65,8
- Botswana: 56,6 / 0,7 = 77,6
2003-07-26
"O Nome e a Coisa"
A intervenção de Saramago no FSP deu já azo a muitos comentários, particularmente na blogosfera. Se regresso ao tema, é porque o último número da edição portuguesa do Le Monde Diplomatique transcreve a intervenção na íntegra. Tem por título "O Nome e Coisa" e o tema é a democracia.
A primeira questão que se deve colocar é de saber se vale a pena comentar as opiniões de alguém com tão pouca autoridade para falar de democracia quanto Saramago. Citemo-lo:
O mote da intervenção de Saramago é dado por duas citações da Política de Aristóteles, que aqui reproduzo:
Mas o ponto principal da argumentação de Saramago é a afirmação de que "os ricos foram sempre [e são hoje mais do que nunca] aqueles que governaram o mundo ou que sempre tiveram [e têm hoje mais do que nunca] quem por eles governasse". A que se refere Saramago? Aos governantes em si? Governam eles para os ricos? São eles ricos? A primeira questão tem a ver com a democracia representativa. A afirmação de Aristóteles de que "os pobres [leia-se a maioria] são soberanos" não se pode entender, à luz de uma democracia representativa, como significando que os governos tenham forçosamente de ser constituídos por cidadãos da classe social maioritária, mas sim que são por eles eleitos, para os representarem. Que é isso que se passa é evidente: de outra forma como poderíamos acusar governos sucessivos de eleitoralismo? Ou não é o eleitoralismo a tentativa desesperada de governar de forma que agrade aos eleitores, com os olhos postos nas próximas eleições? Infelizmente para o argumento de Saramago, nas democracias ocidentais os governos são eleitos essencialmente pela classe média e é para ela que governam. Se são ou não constituídos por cidadãos da classe média é irrelevante.
Mas não estou a ser inteiramente justo. Saramago continua a sua intervenção precisamente pondo em causa a democracia representativa:
Para aumentar o efeito retórico dos defeitos da democracia representativa, Saramago não hesita em recorrer aos clichés habituais, que negam toda a evidência de crescimento económico, redução da pobreza e aumento do bem-estar que tem ocorrido na generalidade dos países possuidores do tipo de democracia por ele criticado:
Finalmente, é curioso o argumento usado por Saramago para justificar que os pobres, supostamente maioritários nas democracias, não se auto-elejam: "os pobres nunca votariam num partido de pobres porque um partido de pobres não teria nada para lhes prometer". Apetece dizer que têm muito bom senso. Não há partidos "de pobres". Se algum se apresentar como tal, é de desconfiar.
A intervenção de Saramago no FSP deu já azo a muitos comentários, particularmente na blogosfera. Se regresso ao tema, é porque o último número da edição portuguesa do Le Monde Diplomatique transcreve a intervenção na íntegra. Tem por título "O Nome e Coisa" e o tema é a democracia.
A primeira questão que se deve colocar é de saber se vale a pena comentar as opiniões de alguém com tão pouca autoridade para falar de democracia quanto Saramago. Citemo-lo:
Chegados a esta altura do discurso, é mais do que provável que no espírito de muitos dos que até agora me têm escutado com benevolência principie a despontar a incómoda suspeita de que o orador não tem nada de democrata, o que, como não deixarão de recordar os mais informados, pertenceria ao domínio das verdades óbvias, conhecidas como são geralmente as minhas inclinações ideológicas...A afirmação é de uma ambiguidade desarmante. Os comunistas têm por hábito apresentar-se como democratas. Terá este comunista finalmente confessado a verdade, que como ele próprio diz, é perfeitamente óbvia? Ou a intenção era a afirmação ser irónica? Seria verdadeiramente irónico um comunista tentar ironizar acerca da sua própria adesão à ideia de democracia... Mas ignoremos por momentos o totalitarismo antidemocrático de Saramago, demostrado pelo seu apoio a regimes como o de Fidel Castro, só há muito pouco tempo por ele posto em causa, e vejamos o que ele tem a dizer sobre a democracia.
O mote da intervenção de Saramago é dado por duas citações da Política de Aristóteles, que aqui reproduzo:
Em democracia, os pobres são soberanos, porque são o maior número, e porque a vontade da maioria é lei.Destas citações, Saramago conclui que não vivemos numa verdadeira democracia:
[...]
A igualdade no Estado pede que os pobres não tenham mais poder que os ricos, que não sejam eles os únicos soberanos, mas que o sejam todos na proporção existente de uns e de outros. Este parece ser o meio de garantir eficazmente ao Estado a igualdade e a liberdade.
Aristóteles, Política, Livro 6, Parte II.
Se não erro demasiado na interpretação desta passagem, o que Aristóteles nos está a dizer é que os cidadãos ricos, embora participando, com toda a legitimidade democrática, no governo da polis, sempre estariam nele em minoria, por força de uma imperativa e incontestável proporcionalidade. Em algo Aristóteles acertava: que se saiba, ao longo de toda a história, jamais os ricos foram em maior número que os pobres. Mas este acerto do filósofo de Estagira, pura obviedade aritmética, estilhaça-se contra a dura muralha dos factos: os ricos foram sempre aqueles que governaram o mundo ou que sempre tiveram quem por eles governasse. E hoje mais do que nunca.As obviedades às vezes enganam. De facto, a argumentação de Saramago tem uma série de problemas. O primeiro consiste na dicotomia que estabelece entre cidadãos ricos e pobres. Pelo menos nas sociedades ocidentais actuais, tal dicotomia não faz qualquer sentido. Entre ricos e pobres, que de resto têm uma definição relativa, existe uma enorme classe média. Em Portugal, por exemplo, e de acordo com dados do INE publicados em 2001, a taxa de pobreza era de 23% em 1996 (página 69). Sendo razoável esperar que uma qualquer definição de riqueza não resultasse numa maior percentagem de ricos, pois como próprio Saramago diz "jamais os ricos foram em maior número que os pobres", sobra uma enorme maioria da população portuguesa que, justamente, não é nem rica, nem pobre. É a classe média. São os "odiosos" (pequeno-)burgueses. Parafraseando as palavras de Aristóteles, diríamos que "em democracia, os cidadãos da classe média são soberanos, porque são o maior número, e porque a vontade da maioria é lei".
Mas o ponto principal da argumentação de Saramago é a afirmação de que "os ricos foram sempre [e são hoje mais do que nunca] aqueles que governaram o mundo ou que sempre tiveram [e têm hoje mais do que nunca] quem por eles governasse". A que se refere Saramago? Aos governantes em si? Governam eles para os ricos? São eles ricos? A primeira questão tem a ver com a democracia representativa. A afirmação de Aristóteles de que "os pobres [leia-se a maioria] são soberanos" não se pode entender, à luz de uma democracia representativa, como significando que os governos tenham forçosamente de ser constituídos por cidadãos da classe social maioritária, mas sim que são por eles eleitos, para os representarem. Que é isso que se passa é evidente: de outra forma como poderíamos acusar governos sucessivos de eleitoralismo? Ou não é o eleitoralismo a tentativa desesperada de governar de forma que agrade aos eleitores, com os olhos postos nas próximas eleições? Infelizmente para o argumento de Saramago, nas democracias ocidentais os governos são eleitos essencialmente pela classe média e é para ela que governam. Se são ou não constituídos por cidadãos da classe média é irrelevante.
Mas não estou a ser inteiramente justo. Saramago continua a sua intervenção precisamente pondo em causa a democracia representativa:
Por outras palavras: não será verdade que, no exacto instante em que o voto é introduzido na urna, o eleitor transfere para outras mãos, sem mais contrapartidas que as promessas feitas durante a campanha eleitoral, a parcela de poder político que até esse momento lhe havia pertencido como membro da comunidade de cidadãos?Saramago tem razão quando diz que os cidadãos abdicam do poder, pelo menos parcialmente, ao eleger os seus representantes. Também tem razão quando diz que os eleitos podem trair a confiança dos eleitores. É justamente por isso que há eleições regulares, bem como um conjunto de poderes que se equilibram e controlam mutuamente. Isto significa, naturalmente, que a democracia representativa tem problemas. Mas, serão esses problemas maiores ou menores que uma qualquer forma de democracia directa? Como pôr em prática uma democracia mais directa? Através do recurso regular ao referendo, como na Suíça? Saramago não dá pistas.
Parecer-vos-á talvez imprudente este papel de advogado do Diabo que aqui pareço assumir, começando por denunciar o vazio instrumental que nos sistemas democráticos separa aqueles que elegeram daqueles que foram eleitos, para logo a seguir, e sem recorrer à argúcia retórica de uma transição preparatória, passar a interrogar-me sobre a pertinência e a propriedade efectivas dos distintos processos políticos de delegação, representação e autoridade democrática. Será esta uma razão mais para que nos detenhamos um pouco a ponderar o que a nossa democracia é e para que serve, antes de pretendermos, como se tornou obsessão do tempo, que ela se torne obrigatória e universal.
[...]
Observando agora as coisas mais de perto, creio poder concluir que sendo o acto de votar, objectivamente, pelo menos em uma parte da população, uma forma de renúncia temporal a uma acção política própria e permanente, adiada e posta em surdina até às eleições seguintes, altura em que os mecanismos delegatórios voltarão ao princípio para da mesma maneira virem a terminar, ela, essa renúncia, poderá ser, não menos objectivamente, para a minoria eleita, o primeiro passo de um processo que, estando justificado pelos votos, não raras vezes persegue, contra as baldadas esperanças dos iludidos votantes, objectivos que de democráticos nada têm e que poderão, até, chegar a ofender a lei.
Para aumentar o efeito retórico dos defeitos da democracia representativa, Saramago não hesita em recorrer aos clichés habituais, que negam toda a evidência de crescimento económico, redução da pobreza e aumento do bem-estar que tem ocorrido na generalidade dos países possuidores do tipo de democracia por ele criticado:
Porém, a amarga experiência de todos os dias mostra-nos que o exercício de amplas áreas de poder [...] se encontra nas mãos desses [corruptos e corruptores] e de outros criminosos, ou dos seus mandatários directos e indirectos. Nenhum escrutínio, nenhum exame microscópico dos votos anónimos lançados numa urna seria capaz de tornar visíveis, por exemplo, os sinais denunciadores das relações de concubinato entre os Estados e os grupos económicos internacionais cujas acções delituosas, incluindo aqui as bélicas, estão a levar à catástrofe o planeta em que vivemos.É evidente que a democracia representativa precisa de se ir refinando, precisa de ser melhorada continuamente. O que é menos claro é que Saramago tenha realmente algum contributo a fazer nesta matéria. Que propõe ele de concreto na intervenção? Apenas a democracia directa e uns conceitos dúbios como os de democracia económica e de democracia cultural. De resto, limita-se a enunciar os defeitos, alguns bem reais, das democracias representativas ocidentais, concluindo erroneamente que não se deveria tentar exportar um modelo defeituoso de sistema político. A conclusão é errónea pela simples e bem conhecida razão, tantas vezes esquecida quanto memorizada por ser óbvia, de que não se conhece melhor alternativa:
Também insistentemente se afirma que a democracia é o menos mau sistema político de todos os sistemas inventados até hoje, e não se repara que talvez esta conformidade resignada com uma coisa que se contenta com ser a "menos má" seja o que nos anda a travar o passo que nos conduziria para algo "melhor".As aspas são apropriadas. Primeiro, porque o reconhecimento da democracia como o melhor dos sistemas políticos existentes não nos impede de o refinar continuamente, como de resto tem vindo a acontecer. Depois porque o sistema "melhor" a que Saramago se refere é o sistema comunista, de que o mundo se libertou quase totalmente, e em boa hora, e que foi causador de enormes injustiças, de mortes em massa e de infelicidade generalizada. Mas para Saramago os factos são outros:
Enfrentemos, portanto, os factos. O sistema de organização social que até aqui temos designado como democrático tornou-se cada vez mais uma plutocracia (governo dos ricos) e cada vez menos uma democracia (governo do povo). É impossível negar que a massa oceânica dos pobres deste mundo, sendo geralmente chamada a eleger, não é nunca chamada a governar [...]Saberá Saramago que a "massa oceânica dos pobres deste mundo" não é chamada a votar, justamente? Que as democracias, com as suas imperfeições, estão infelizmente longe de serem o sistema político dominante? Mesmo admitindo que Saramago se enganou, e que se refere na realidade aos países democráticos, o argumento não colhe, pois aí, como já foi dito, os pobres são felizmente minoritários.
Finalmente, é curioso o argumento usado por Saramago para justificar que os pobres, supostamente maioritários nas democracias, não se auto-elejam: "os pobres nunca votariam num partido de pobres porque um partido de pobres não teria nada para lhes prometer". Apetece dizer que têm muito bom senso. Não há partidos "de pobres". Se algum se apresentar como tal, é de desconfiar.
2003-07-25
Opus Gay: Cliques e Claques Subscrevo integralmente o artigo do Pedro Mexia n'O Independente. Sugiro a quem não o fez que compre o semanário.
Comunicado Extratos de comunicado do Gabinete da Presidência da Câmara Municipal de Lisboa:
É fácil atirar números cá para fora que, aliás, não correspondem à verdade. É que dos 500 contestatários anunciados durante todo odia, é interessante que se perceba que 10 (somente uma dezena) não se podem confundir com meio milhar.E depois queixam-se quando acusam Santana Lopes de falta de cultura. Com textos destes a sair do seu gabinete...
[...]
A pergunta que estas "movimentações" levantam é só uma: será que vale tudo por uma mentira?
Pseudo-ciência O que mais me desgosta no Público é vir acompanhado ao Sábado pela inacreditável XIS. A revista é um verdadeiro hino à pseudo-ciência. Até aí tudo bem, tem todo o direito de o ser. O problema é que psiquiatras como Daniel Sampaio se dispõem a colaborar na revista, emprestando-lhe respeitabilidade, lado a lado gente como Maria José Costa Felix, que assina a coluna "Outra Porta". Para se perceber do que falo, seguem-se alguns extractos dessa coluna:
Digno de nota é também o tom autoritativo com que Maria José Costa Felix dá uma aparência de ciência à fantasia mais completa:
Rita Benamor Murteira relata o caso de uma mulher que, no decorrer de uma terapia [sacro-craneana], no momento em que teve a sensação de ter "um bloqueio gigantesco nos pulmões", percebeu que, quando era miúda, sentia que o facto de ser muito alegre, aberta e audaciosa incomodava os outros membros da família, que eram completamente o contrário. Era como se não se pudesse expandir. Decidiu então apagar-se e foi através da respiração que o fez.Note-se que isto não é ficção. É a descrição de uma "terapia" feita por uma "terapeuta" sobre um paciente real (e ingénuo). Quando se confundem metáforas com a realidade dá nisto.
Como ela não se podia expandir, os pulmões também não se expandiam. E, obviamente, desenvolveu problemas respiratórios. A asma que tinha fora provocada por um quisto energético nos pulmões.
Digno de nota é também o tom autoritativo com que Maria José Costa Felix dá uma aparência de ciência à fantasia mais completa:
Devido à força gravitacional que exerce sobre a terra, a Lua influi nos líquidos e nas águas existentes, não só nas suas camadas subterrâneas como no também [sic] interior das plantas e do nosso corpo, portanto na nossa própria saúde. Influindo de forma especial em todos os processos de fecundação, actua sobre o metabolismo, o apetite e a assimilação do que comemos ou bebemos. Daí que tenha um papel importante sobre a manutenção do nosso peso. Como a Lua regula as subidas e descidas de qualquer ciclo, é mais fácil engordarmos quando a energia está a caminho do seu ponto mais alto, na fase crescente, do que quando o ciclo está na fase descendente, ou seja, em quarto minguante. Quem não quiser engordar, convém atender a este pormenor...Ou ainda:
Tudo o que implique limpar, esfregar ou lavar o corpo, a alma ou, até, a nossa casa é muito mais eficaz e fácil de realizar durante as duas semanas da fase de qurto minguante da lua do que durante a de quarto crescente.Seria hilariante se não fosse trágico: é que pode haver quem tome isto a sério.
O mesmo acontece, como ficou dito, em relação às probabilidades de êxito das intervenções cirúrgicas, que são muito maiores, sendo mais curto o processo curativo. Por incrível que nos pareça, as feridas não sangram tanto e é menor a probabilidade cicatrizarem mal. Uma boa cicatriz, para além de uma simples questão estética, também tem a capacidade de potenciar o fluxo de energia no corpo.
Relatório do Desenvolvimento Humano 2003 do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento é extenso e é denso. Mas vale a pela ler, nem que seja na diagonal.
2003-07-24
Science and its critics No próximo dia 31 de Julho, às 21:30h, na Aula Magna da Reitoria da Universidade de Lisboa, uma mesa redonda com:
- João Caraça (moderador)
- Jean Bricmont
- Nuno Crato
- Desidério Murcho
- Boaventura de Sousa Santos
- Alan Sokal
2003-07-23
Via o nosso Valete Frates !, a melhor fonte de informação da blogosfera portuguesa, e também via Jaquinzinhos, os resultados da primeira sondagem no Iraque pós-Saddam. Reportagem no Spectator (explicações sobre a aventura de fazer os inquéritos numa zona ainda turbulenta aqui). Os resultados demonstram o enorme bom senso dos iraquianos. Não seria de esperar outra coisa.
O Blogger comeu-me uma entrada inteira! Parecia que o mundo tinha ruído. Só ao fim de uns minutos desesperantes consegui encontrar uma cópia num recanto obscuro do computador. Porque diabo nos agarramos tanto ao que escrevemos?
2003-07-20
Os Novos Milenarismos Em destaque no Público de hoje, "dez analistas americanos e cinco portugueses escolhem 15 assuntos preocupantes aos quais não é dada a devida atenção". Segundo João Gomes Cravinho, o assunto mais preocupante é o das tecnologias de modificação genética. Vejamos porquê:
Segundo ele "os efeitos de curto prazo no ambiente e na saúde pública contêm incógnitas preocupantes, mas admitamos que a ciência poderá, como tempo, ultrapassá-las". Parece-me uma posição mais sensata. Os testes e ensaios realizados até hoje parecem demonstrar maioritariamente a segurança dos OGM em comercialização, dos quais o mais paradigmático é o milho Bt (Bacillus thuringiensis). Acenar com os seus possíveis perigos, por mais remotos que pareçam neste momento, em nome de um tal princípio da precaução, é simplesmente uma receita para a inacção, como tão bem denunciou Guy Sorman no seu Le Progrès et ses Ennemis, já aqui citado. O que há a fazer, como resumiu Lomborg, é uma análise séria e factual dos custos e benefícios de cada acção com possível impacte sobre a saúde humana ou sobre o ambiente. Sendo os possíveis perigos dos OMG já comercializados uma possibilidade tão remota, e sendo tão evidentes os seus benefícios no aumento de produtividade, na grande redução de utilização de pesticidas utilizados (como é o caso do milho Bt) ou até na melhoria da saúde das populações (caso do arroz amarelo), restam poucas dúvidas de que as autorizações dadas pelas autoridades americanas revelam maior bom senso que as posições ambíguas da Comissão Europeia a este respeito.
Ainda segundo Cravinho, "Washington" "pretende [...] a transformação dos mercados agrícolas mundiais em algo de parecido com o mercado farmacêutico, gerando lucros pela via de patentes colocadas sobre produtos sem alternativa". Este discurso deixa transparecer o preconceito esquerdista habitual de que o que gera lucros é necessariamente imoral. Note-se que Cravinho não refere que essa mesma indústria farmacêutica desenvolve e comercializa todos os fármacos de que depende em grande medida a cada vez melhor saúde das populações. Sem a iniciativa e o investimento dessas empresas não se estaria hoje a discutir se os preços dos fármacos que permitem melhorar a vida dos seropositivos é ou não demasiado caro para os povos que deles mais precisam neste momento. É perfeitamente razoável que as empresas tentem proteger através de patentes o seu investimento em investigação. Não é objectivo das empresas farmacêuticas resolver os problemas do mundo, embora para tal possam contribuir. Esse papel cabe aos governos e às organizações internacionais.
Cravinho diz também que os produtos baseados em OGM não têm alternativa. A afirmação é estranha, até porque implícita no discurso de Cravinho está uma alternativa clara: os produtos tradicionais, as culturas sem modificação genética. Mas talvez Cravinho queira dizer que não haverá alternativa porque quem utilizar os produtos tradicionais deixará de ser competitivo. Se assim for, inclino-me a concordar. Mas é caso para perguntar: qual é o problema? Não tem sido a história da humanidade uma história do desenvolvimento de novos produtos que tornam os anteriores obsoletos? A verdade é que dessa forma, através de uma evolução contínua, atingimos os níveis de desenvolvimento actuais, muito longe ainda de serem os humanamente aceitáveis, mas infinitamente melhores do que num passado não muito remoto.
Segundo Cravinho, a introdução de culturas geneticamente modificadas "arrasa as culturas naturais, permitindo criar dependências sobre produtos necessários para a sobrevivência das culturas, fornecidas pelas mesmas empresas biotecnológicas". Cravinho refere-se provavelmente ao produto Round-up Ready Soybeans, uma soja geneticamente modificada pela Monsanto de modo a resistir ao herbicida Roud-up, produzido da própria Monsanto. A verdade, no entanto, é que é possível continuar a usar soja não-GM, tal como é possível não usar Round-up de todo. É o que faz a chamada agricultura biológica. Tem o seu nicho de mercado (no qual incoerentemente me incluo, note-se), constituído por consumidores dispostos a pagar por produtos mais caros e frequentemente de pior qualidade. Porque o problema é esse. Os produtos da Monsanto e empresas congéneres permitem reduzir custos, aumentar colheitas e, como tal, aumentar os lucros dos produtores, levando também a produtos mais baratos para os consumidores finais. Quando Cravinho afirma, indignado, que "dizer que desta maneira se poderá resolver a fome no mundo é de uma má fé a toda a prova, até porque há longos anos que se sabe que a fome resulta de má distribuição e não de falta de produção", ataca um moinho de vento. Ninguém disse que a o problema da fome iria ser resolvido pelos OGM. Mas poderão dar algum contributo, por pequeno que seja, para a sua redução.
Diz ainda Cravinho que "enquanto tecnologia a MG não é má em si mesmo", que "depende do uso que se lhe dá" e que "em teoria poderia ser benéfico para agricultores pobres, aumentando a produção e a resistência das culturas". Não podia concordar mais (embora retirasse o "em teoria"...). O problema é que para ele:
Cravinho continua afirmando que:
A profunda e sistemática tentativa de usar a globalização para criar um mundo ao serviço dos Estados Unidos é de longe a maior ameaça à segurança planetária. Complexo e multifacetado, este processo inclui, entre tantos outros aspectos, a introdução de tecnologias de modificação genética (MG) para controlar a produção agrícola internacional.Os esforços de décadas de empresas como a Monsanto, o seu enorme investimento na investigação e no desenvolvimento de organismos geneticamente modificados (OGM), são vistos por Cravinho como parte integrante de uma estratégia dos EUA de controlo da agricultura mundial. A mera hipótese de que se trate de uma empresa privada, com fins lucrativos, que desenvolveu bons produtos e como tal os consegue vender em proveito próprio, não chega. Tem de haver um objectivo escondido: o "controlo da agricultura mundial". A afirmação é absurda, claro está. Não são apenas as empresas americanas a desenvolver OGM. O chamado "arroz amarelo", por exemplo, foi desenvolvido por cientistas suíços, e na própria França o Sr. José Bové foi preso por ter destruído campos de ensaio de OGM. Mas sigamos o raciocínio de Cravinho.
Os efeitos de curto e longo prazo no ambiente e na saúde pública contêm incógnitas preocupantes, mas admitamos que a ciência poderá, com tempo, ultrapassá-las. A questão central, contudo, não é essa, como se poderá perceber pela tremenda pressão política exercida por Washington nesta matéria. O que se pretende é a transformação dos mercados agrícolas mundiais em algo de parecido com o mercado farmacêutico, gerando lucros pela via de patentes colocadas sobre produtos sem alternativa.
A introdução de culturas MG arrasa as culturas naturais, permitindo criar dependências sobre produtos necessários para a sobrevivência das culturas, fornecidas pelas mesmas empresas biotecnológicas. Dizer que desta maneira se poderá resolver a fome no mundo é de uma má fé a toda a prova, até porque há longos anos que se sabe que a fome resulta de má distribuição e não de falta de produção.
Sejamos claros: enquanto tecnologia a MG não é má em si mesmo. Depende do uso que se lhe dá. Em teoria poderia ser benéfico para agricultores pobres, aumentando a produção e a resistência das culturas. Mas se a tecnologia fosse usada para esses efeitos altruístas não produziria os lucros que interessam a quem a promove. O que está à vista é a destruição cínica da capacidade agrícola dos países pobres, condenando a uma morte certa milhares ou milhões que não terão os recursos para praticar esta nova agricultura. Serão mortos sem nome, mas as mortes não serão menos reais por isso.
Segundo ele "os efeitos de curto prazo no ambiente e na saúde pública contêm incógnitas preocupantes, mas admitamos que a ciência poderá, como tempo, ultrapassá-las". Parece-me uma posição mais sensata. Os testes e ensaios realizados até hoje parecem demonstrar maioritariamente a segurança dos OGM em comercialização, dos quais o mais paradigmático é o milho Bt (Bacillus thuringiensis). Acenar com os seus possíveis perigos, por mais remotos que pareçam neste momento, em nome de um tal princípio da precaução, é simplesmente uma receita para a inacção, como tão bem denunciou Guy Sorman no seu Le Progrès et ses Ennemis, já aqui citado. O que há a fazer, como resumiu Lomborg, é uma análise séria e factual dos custos e benefícios de cada acção com possível impacte sobre a saúde humana ou sobre o ambiente. Sendo os possíveis perigos dos OMG já comercializados uma possibilidade tão remota, e sendo tão evidentes os seus benefícios no aumento de produtividade, na grande redução de utilização de pesticidas utilizados (como é o caso do milho Bt) ou até na melhoria da saúde das populações (caso do arroz amarelo), restam poucas dúvidas de que as autorizações dadas pelas autoridades americanas revelam maior bom senso que as posições ambíguas da Comissão Europeia a este respeito.
Ainda segundo Cravinho, "Washington" "pretende [...] a transformação dos mercados agrícolas mundiais em algo de parecido com o mercado farmacêutico, gerando lucros pela via de patentes colocadas sobre produtos sem alternativa". Este discurso deixa transparecer o preconceito esquerdista habitual de que o que gera lucros é necessariamente imoral. Note-se que Cravinho não refere que essa mesma indústria farmacêutica desenvolve e comercializa todos os fármacos de que depende em grande medida a cada vez melhor saúde das populações. Sem a iniciativa e o investimento dessas empresas não se estaria hoje a discutir se os preços dos fármacos que permitem melhorar a vida dos seropositivos é ou não demasiado caro para os povos que deles mais precisam neste momento. É perfeitamente razoável que as empresas tentem proteger através de patentes o seu investimento em investigação. Não é objectivo das empresas farmacêuticas resolver os problemas do mundo, embora para tal possam contribuir. Esse papel cabe aos governos e às organizações internacionais.
Cravinho diz também que os produtos baseados em OGM não têm alternativa. A afirmação é estranha, até porque implícita no discurso de Cravinho está uma alternativa clara: os produtos tradicionais, as culturas sem modificação genética. Mas talvez Cravinho queira dizer que não haverá alternativa porque quem utilizar os produtos tradicionais deixará de ser competitivo. Se assim for, inclino-me a concordar. Mas é caso para perguntar: qual é o problema? Não tem sido a história da humanidade uma história do desenvolvimento de novos produtos que tornam os anteriores obsoletos? A verdade é que dessa forma, através de uma evolução contínua, atingimos os níveis de desenvolvimento actuais, muito longe ainda de serem os humanamente aceitáveis, mas infinitamente melhores do que num passado não muito remoto.
Segundo Cravinho, a introdução de culturas geneticamente modificadas "arrasa as culturas naturais, permitindo criar dependências sobre produtos necessários para a sobrevivência das culturas, fornecidas pelas mesmas empresas biotecnológicas". Cravinho refere-se provavelmente ao produto Round-up Ready Soybeans, uma soja geneticamente modificada pela Monsanto de modo a resistir ao herbicida Roud-up, produzido da própria Monsanto. A verdade, no entanto, é que é possível continuar a usar soja não-GM, tal como é possível não usar Round-up de todo. É o que faz a chamada agricultura biológica. Tem o seu nicho de mercado (no qual incoerentemente me incluo, note-se), constituído por consumidores dispostos a pagar por produtos mais caros e frequentemente de pior qualidade. Porque o problema é esse. Os produtos da Monsanto e empresas congéneres permitem reduzir custos, aumentar colheitas e, como tal, aumentar os lucros dos produtores, levando também a produtos mais baratos para os consumidores finais. Quando Cravinho afirma, indignado, que "dizer que desta maneira se poderá resolver a fome no mundo é de uma má fé a toda a prova, até porque há longos anos que se sabe que a fome resulta de má distribuição e não de falta de produção", ataca um moinho de vento. Ninguém disse que a o problema da fome iria ser resolvido pelos OGM. Mas poderão dar algum contributo, por pequeno que seja, para a sua redução.
Diz ainda Cravinho que "enquanto tecnologia a MG não é má em si mesmo", que "depende do uso que se lhe dá" e que "em teoria poderia ser benéfico para agricultores pobres, aumentando a produção e a resistência das culturas". Não podia concordar mais (embora retirasse o "em teoria"...). O problema é que para ele:
se a tecnologia fosse usada para esses efeitos altruístas não produziria os lucros que interessam a quem a promove.Acontece que o objectivo da tecnologia é, de facto, "aumentar a produção e a resistência das culturas", trazendo no processo lucro à empresa que desenvolve os OGM. Que Cravinho afirme que esse lucro é incompatível com benefícios "para agricultores pobres" é que revela bem a prisão ideológica em que se encerrou. Os benefícios que o milho Bt, por exemplo, pode trazer aos agricultores são perfeitamente compatíveis com o lucro da Monsanto, tal como os benefícios que qualquer agricultor tira da compra de um tractor são compatíveis com o lucro do respectivo fabricante.
Cravinho continua afirmando que:
O que está à vista é a destruição cínica da capacidade agrícola dos países pobres, condenando a uma morte certa milhares ou milhões que não terão os recursos para praticar esta nova agricultura. Serão mortos sem nome, mas as mortes não serão menos reais por isso.Tanto quanto se pode depreender do texto, o problema seria a redução do preço dos produtos agrícolas nos países desenvolvidos e a consequente impossibilidade de concorrência dos agricultores dos países pobres. O argumento é falacioso. Seria como argumentar que o desenvolvimento e comercialização de tractores condenaria à morte os agricultores de países mais pobres. Do que precisamos, isso sim, é que todos os agricultores, de países pobres ou não, possam aceder a melhores tecnologias, OGM incluídos. Do que se precisa não é de menos OGM: é de mais OGM, de mais globalização e de menos barreiras alfandegárias ou de subsídios aos agricultores dos países ricos.
2003-07-18
BHL às vezes ainda acerta Personagem controverso, extraio duas notas certeiras do seu Bloc-Notes:
Les GI à Monrovia ? Mais oui. Bien sûr. Le voilà, le vrai devoir d'ingérence. Le voilà, le devoir des nations face à l'appel des peuples maintes fois martyrs. Ici, dans cette Afrique douloureuse et presque sortie, déjà, de l'Histoire universelle, pas d'erreur de cible, pas de tromperie sur le siècle - l'urgence, la vraie, celle de prêter assistance à peuples en danger.
[...]
Propos de Tony Blair : le plus tragique, pour la gauche européenne, ce serait de se refonder sur la double pierre d'angle de l'antilibéralisme et de l'antiaméricanisme. En effet. Double version du socialisme des imbéciles.
2003-07-17
Depósito obrigatório da internet portuguesa Pacheco Pereira argumenta a favor de um arquivo digital da internet portuguesa. Aparentemente já existe um arquivo à escala global. Chama-se Internet Archive, e permite recuperar páginas desde 1996, embora com algumas surpresas desagradáveis de vez em quando. Veja-se, por exemplo, o Expresso Online de 18 de Setembro de 2001.
Fotografia Recomendo uma visita à exposição Vivem no campo, adoram a cidade: fotoetnografias na Etiópia, com fotografias de Marie Hernandez e Catherine Henrietteque. Está no CCB e foi organizada pelo nosso maior apaixonado pela Etiópia: Manuel João Ramos. Ao contrário do que o programa do CCB indica, a exposição abre ao público hoje, 17 de Julho.
2003-07-15
Temos Blogue! Chegou o Catalaxia, blogue liberal. Começou logo, e bem, por um tema que me é caro: o financiamento do ensino superior.
Globalização vista pelos países mais pobres Artigo interessante no YaleGlobal Online:
A recent worldwide poll may have come as a shock to those who view the anti-globalization demonstrations as emblematic of a general souring mood about global economic integration. The Pew survey found that not only was the attitude generally positive but there was more enthusiasm for foreign trade and investment in developing countries than in rich ones.Leitura obrigatória.
2003-07-14
Via o Arts & Letters Daily, um artigo interessante do Wall Street Journal acerca dos dilemas das intervenções humanitárias. O mote é dado pela Libéria, com o Iraque em pano de fundo.
A logística de Ana Gomes Ana Gomes preferia que Portugal não mandasse a GNR para o Iraque. Até aqui tudo bem. Não concordo, mas reconheço a coerência. O pior vem depois, quando Ana Gomes sugere que somos "borlistas" (portoghesi):
Em finais de Junho a partida da GNR foi adiada, por inadequação e insuficiência de meios para operar no terreno. O ministro da Administração Interna admitiu que estariam a ser pedidos carros blindados às forças italianas, que também assegurariam a alimentação dos portugueses. Potenciador do "prestígio" externo de Portugal ao melhor estilo Barroso-Portas, este recurso aos italianos, ao menos, respeita a tradição: a dos "borlistas", termo que em italiano é "portuguesi" [sic]...Parece-me óbvio que seria um absurdo o contingente da GNR não se apoiar logisticamente nas outras forças que actuam no Iraque. Fazê-lo é uma simples questão de bom senso económico. Mas Ana Gomes acha que isso nos qualifica como "borlistas". Mesmo que o apoio dos italianos não seja pago, o que duvido, não se pode fazer uma tal acusação: ir para o Iraque não é propriamente como ir a uma festa. Ana Gomes não resistiu a forçar o trocadilho com portoghesi. O trocadilho saiu-lhe coxo e com um erro de ortografia.
Direito de Resposta Resposta de Fernando Ilharco a uma entrada no Picuinhices sobre um texto seu (a entrada original reproduz-se no final da resposta):
Trad... explicações para Picuinhices@yahoo.com.br.
Umas notas sobre Fernando Ilharco:A entrada original no Picuinhices era:
"Contextualizado por um monumental enquadramento do que existe, como Heidegger aponta a essência da moderna tecnologia, no âmbito de um sistema não apenas de informação mas genuinamente de comunicação, de ajuste e de acoplamento estrutural e essencial entre o dentro e o fora, entre todas as diferenças que nos rodeiam e afectam, o que existe e que conta, o ser em si mesmo, é-nos revelado."
a) Nada alguma vez nos disse que o que existe, ou seja, o que é, sendo, seja quer o que hoje entendemos que a história nos deixou, quer o que o futuro nos deixa entender que somos, quer o que os nossos sentidos humanos percepcionam; aliás, hoje em dia, os avanços de uma boa parte da ciência, precisamente as exactas, as que mais apelam 'teoricamente' aos sentidos humanos – aos dados empíricos – assentam na percepção de aspectos da realidade, do que existe, só possiveis de ser captados pela tecnologia, o que significa obviamente que tais dados não são necessariamente captados conforme ao que existe, mas sim conforme aquela mesma tecnologia;
b) É evidente que o que o homem é hoje, é com/na/pela/através da tecnologia; essa tecnologia, em termos do que lhe é essencial, ou seja do que é comum e decisivo a todo o tipo de manifestações, de instrumentos, de mecanismos, etc., que nós mesmos – cada um de nós – reconhece como tecnologia, dizia eu, em termos do que lhe é essencial, a tecnologia é um enquadramento ordenador e eficiente do que existe – Ge-stell, Enframing, Com-posição ... (Heidegger, The Question Concerning Technology). Essa é a essência da moderna tecnologia, segundo Heidegger.
c) O ponto é que a tecnologia, entendida no quadro acima referido em b) e a), não é algo que venha a assentar numa qualquer realidade previamente acedida, entendida, ou tomada; antes pelo contrário, a tecnologia é ela mesma um modo específico de revelar o que existe. O modo como hoje surge o ser, o que existe, o que vai sendo, o que nos interessa e conta na nossa vida – um blog, uma aspirina, um mergulho no mar ... – é já um surgir em termos tecnológicos....
... mesmo o pensar em perceber algo, dirigido a uma plena e final satisfação do entendimento do ser humano singular, pode às vezes não ser mais do que pensar tecnologicamente...
d) A referência à comunicação visa indicar o carácter fundador do comunicar, do estar com os outros, do homem como ser social; factos amplamente referidos por variadas tradições filosóficas e/ou científicas. A comunicação é o que nos ajusta ontologicamente, faz-se ser o que somos, num mundo modelado e desenvolvido na e pela comunicação.
e) O dentro e o fora foi talvez algo mais forçado... queria à frente no texto a ideia, mas... Ela é esta: você, no seu mundo, é o único que está dentro; tudo o resto e todos os outros estão fora; o que está fora, por seu lado, não é o que está fora do seu mundo conforme ao seu mundo, mas sim o que está dentro nos mundos de outros em que você está fora – a ideia, muito por alto é essa e penso que tem potencial de exploração....
Era o que queria dizer quando escrevi, o que abaixo invertendo a estrutura da frase, transcrevo:
"O que conta, o ser em si mesmo, contextualizado por um monumental enquadramento do que existe, como Heidegger aponta a essência da moderna tecnologia, é-nos revelado no âmbito de um sistema não apenas de informação mas genuinamente de comunicação, de ajuste e de acoplamento estrutural e essencial entre o dentro e o fora, entre todas as diferenças que nos rodeiam e afectam."
Espero ter clarificado de algum modo a questão.
Boas leituras
Fernando Ilharco
Fernando Ilharco Todas as semanas tento ler a coluna de Fernando Ilharco no Público. Nunca consegui, apesar do esforço. Gostava de saber, sinceramente, se alguém a lê, tirando o próprio. E, sobretudo, se entende o que lá está escrito. Por exemplo, agradecem-se explicações acerca do sentido da seguinte frase:
Contextualizado por um monumental enquadramento do que existe, como Heidegger aponta a essência da moderna tecnologia, no âmbito de um sistema não apenas de informação mas genuinamente de comunicação, de ajuste e de acoplamento estrutural e essencial entre o dentro e o fora, entre todas as diferenças que nos rodeiam e afectam, o que existe e que conta, o ser em si mesmo, é-nos revelado.
Trad... explicações para Picuinhices@yahoo.com.br.
2003-07-12
Defesa do Iluminismo? José Miguel Júdice assina no Público um artigo em defesa do iluminismo. O artigo é interessante e na generalidade certeiro. Mas há alguns pontos com os quais não posso concordar. Quando José Miguel Júdice diz que o facto de 71% dos portugueses acharem que "se as leis não forem 'justas e lógicas' não são para cumprir" é assustador e muito perigoso para o Estado de Direito, concordo plenamente. Creio mesmo que a nossa "flexibilidade" na interpretação da lei, "flexibilidade" essa que se estende a quem é suposto fazê-a cumprir, é um dos nossos factores de atraso civilizacional. Mas José Miguel Júdice afirma que o mesmo perigo para o estado de direito decorre também de "79% [dos portugueses acharem] que quem abuse sexualmente de menores deve ter penas superiores ao máximo legal (entre os quais 53% querem a pena de morte ou a prisão perpétua!) e [de] 81% também [quererem] mais de 25 anos de prisão para homicídios". Ora, não faz sentido afirmar que a pena máxima de 25 anos corresponde à fronteira entre a civilização e a barbárie (José Miguel Júdice diz que tais opiniões revelam um "arcaísmo regressivo"). Quantos países mais civilizados que o nosso têm penas máximas superiores e mesmo prisão perpétua ou até pena de morte? Será que 25 anos de prisão para um homicida é apropriado, mas 30 são já uma "punição selvática"? Pessoalmente sou contra a pena de morte, mas não me parece saudável pôr a questão nos termos em que José Miguel Júdice a põe. Até porque a premissa por trás da imposição de uma pena máxima, apoiada implicitamente por José Miguel Júdice, é a de que todos os criminosos são regeneráveis e por isso socialmente reintegráveis. Recorro de novo a Steven Pinker, e ao seu The Blank Slate, onde se analisam estudos que parecem demonstrar em certos casos a regeneração pode ser impossível. A questão civilizacional, ao contrário do que José Miguel Júdice diz, está muito menos nas penas máximas previstas pela lei, e muito mais na sua aplicação prática. Enquanto em Portugal os períodos de prisão preventiva efectivos se forem prolongando, mais a mais sem possibilidade de defesa por parte do arguido, estaremos muito mais em estado de "barbárie" do que noutros países onde a pena perpétua (ou mesmo a pena de morte) existe e é aplicada.
Na Feira do Artesanato do Estoril, há uma banca que vende artigos religiosos da Terra Santa. Parámos para ver. O vendedor era persuasivo e simpático. Entrou em conversa connosco:
— Todos os artigos vêm da Palestina. Eu também sou palestino. Sou de Belém!
— Bela terra!
— Com a guerra...
— Mas as coisas agora estão melhores por lá, ou não?
— Ah! Eles foram só pôr gasolina a Jerusalém e logo voltam...
— Espero bem que não.
Respondi sem convicção.
— Todos os artigos vêm da Palestina. Eu também sou palestino. Sou de Belém!
— Bela terra!
— Com a guerra...
— Mas as coisas agora estão melhores por lá, ou não?
— Ah! Eles foram só pôr gasolina a Jerusalém e logo voltam...
— Espero bem que não.
Respondi sem convicção.
2003-07-11
Presunç?o
Presunção
Aldónio: Rui, tens de parar de ler artigos para a tese! A partir de agora tens apenas que escrever aquilo que sabes.
Rui: Ena, porreiro! Daqui a duas horas tenho a tese terminada.
2003-07-10
Mortos na Estrada: A Receita Francesa O Le Monde divulga os resultados da política convicta do governo francês contra as mortes na estrada: menos 18,1% mortos e menos 17,1% feridos graves num ano. De que estamos à espera para usar a mesma receita? Retirar 18% aos cerca de 1500 mortos anuais nas nossas estradas sempre seriam menos 270 funerais ao longo do ano... Mas não há esperança. O nosso Plano Nacional de Prevenção Rodoviária é de uma timidez confrangedora, pois prevê atingir em 2010 a média europeia de sinistralidade entre 1998 e 2000. Mesmo que em 2010 atingíssemos esse objectivo, continuaríamos a ter a pior taxa de sinistralidade da europa: a média europeia não irá ficar à nossa espera.
A Teoria da Submissão de Fernando Rosas, no Público, tem uma interessante teoria sobre a crise económica:
Já imagino a nossa Manuela Ferreira Leite esfregando as mãos maldosamente, preparando o plano secreto que tornaria a desejada recessão possível. Imagino também os urros de alegria que o executivo soltou em uníssono quando ouviu as declarações do governador do Banco de Portugal a anunciar finalmente a tão desejada recessão.
Recomendo a Fernando Rosas a utilização da Navalha de Occam para aparar as suas teorias: Pluralitas non est ponenda sine neccesitate, ou seja, a pluralidade não deve ser colocada sem necessidade. Esta navalha é o melhor remédio para quem acredita em teorias da conspiração.
É preciso dizer que a presente crise é fruto de uma verdadeira recessão programada pelos interesses económicos e pela governação da direita. O prolongamento da crise internacional obriga o capital a recorrer a métodos radicais de procurar restaurar as suas taxas de lucro e acumulação.Mas afinal, pretendida porquê? Que interesse poderia haver em produzir uma recessão? Simples: "o governo do PSD-PP não podia esperar melhor respaldo para a sua ofensiva anti-social". Ou seja, segundo Fernando Rosas, a recessão actual foi provocada pelos governos de direita para facilitar as suas ofensivas anti-sociais e prejudicar propositadamente os mais pobres, beneficiando os mais ricos no processo.
[...]
É de uma recessão pretendida que estamos a falar, não de uma inabilidade ocasional de ministros incompetentes.
Já imagino a nossa Manuela Ferreira Leite esfregando as mãos maldosamente, preparando o plano secreto que tornaria a desejada recessão possível. Imagino também os urros de alegria que o executivo soltou em uníssono quando ouviu as declarações do governador do Banco de Portugal a anunciar finalmente a tão desejada recessão.
Recomendo a Fernando Rosas a utilização da Navalha de Occam para aparar as suas teorias: Pluralitas non est ponenda sine neccesitate, ou seja, a pluralidade não deve ser colocada sem necessidade. Esta navalha é o melhor remédio para quem acredita em teorias da conspiração.
2003-07-09
Emancipação? Segundo o Público de hoje, em artigo de Jorge Heitor relatando a visita de George W. Bush a África, "todos [os políticos africanos com quem se encontra] lhe dizem que se trata acima de tudo de uma responsabilidade norte-americana, porque o país é uma criação dos EUA". Para que conste, a Libéria tornou-se independente a 26 de Julho de 1847, i.e., há quase 156 anos. Até quando durará a responsabilidade dos EUA? E, já agora, será que Portugal ainda terá "responsabilidade" sobre Angola em 2131?
2003-07-08
Reflexões sérias, informadas e inovadoras
Reflexões sérias, informadas e inovadoras Eduardo Prado Coelho, no Público de ontem, diz que "apesar dos evidentes esforços que se tem feito na área do Partido Socialista, existe um manifesto défice de produção teórica que faz que quando o Partido Socialista se preocupa apenas em ser um partido com responsabilidades de poder não se consegue diferenciar da direita do PSD e que quando procura demarcar-se da direita pareça colado ao Bloco de Esquerda (onde, basta ler a revista 'Manifesto', se produz reflexão informada, séria e inovadora, que nenhum defensor da esquerda pode ignorar)". Curioso, comprei o número de Abril da dita revista. Abro ao acaso e surge-me a seguinte pérola, da autoria de Nuno Ramos de Almeida:
O artigo prossegue, descrevendo uma sociedade imaginária, que é preciso subverter através de uma "revolução como um vírus informático", e onde existe "a ideia de que tudo o que é humano é para embrulhar, consumir e deitar fora". Escusado será de dizer que tal sociedade só existe na mente dos opositores dos regimes liberais e capitalistas. Ao cidadão comum, liberal ou não, não lhe passa pela ideia "embrulhar, consumir e deitar fora" tudo o que é humano". Apresentado o capitalismo como um monstro destruidor e desumanizador, monstro esse que na realidade trouxe enormes melhorias no nível de vida de todos os povos que o adoptaram plenamente, passa-se à definição de uma estratégia de tomada do poder. A queda do muro de Berlim não demonstrou a falência dos modelos socialistas. Demonstrou, isso sim, a necessidade de mudar de táctica. O objectivo é o mesmo: um homem novo para uma sociedade nova. A forma de lá chegar é que é diferente:
Segue-se uma diatribe contra a chamada "globalização neoliberal", e a favor da agora chamada "alter-globalização". A questão, segundo o autor, é se a globalização se fará "no quadro do mercado ou da Humanidade". É uma falsa alternativa: onde há humanos há mercado, e não há mercado sem humanos. A ideia de que a globalização seria "mais humana" se excluísse o "diabólico" mercado permeia todo o artigo. Todos os argumentos são válidos para denegrir o capitalismo, incluindo os argumentos eco-milenaristas, tão bem desmontados por Lomborg: "hoje por hoje, os limites do planeta fazem da ideia de progresso a via mais rápida em direcção à catástrofe". A este propósito vale também a pena ler um livrinho muito interessante de Guy Sorman, intitulado "Le Progrès et ses Ennemis".
Reflexões inovadoras? Tudo isto é velho e revelho, e sintoma de um esquerdismo profundamente conservador.
Finalmente chegamos à pornografia. A secção do artigo intitula-se "A Pornocópia, o João Carlos Espada, o Vale da Amoreira e o Pedro Bala". Segundo o autor, "a pornografia é uma das maiores realizações da economia de mercado". Diz ele que o sucesso desta indústria, cujos lucros "ultrapassam em muito os da própria indústria de Hollywood", é fácil de explicar. Curiosamente, não apresenta a explicação, ficando o leitor com a sensação que na sua opinião tal sucesso se deve não à natureza humana masculina, mas a um qualquer efeito perverso do capitalismo. Na realidade a explicação é muito prosaica: "men have a much stronger taste for no-strings sex with multiple or anonymous partners, as we see in the almost all-male consumer base for prostitution and visual pornography", como afirma Steven Pinker, e nós já sabíamos, em "The Blank Slate".
A verdadeira razão desta digressão pela pornografia é na realidade a oportunidade para citar um actor porno entrevistado pelo autor logo após uma filmagem falhada:
Serão estas as reflexões sérias a que Eduardo Prado Coelho se refere?
Na minha curta vida de jornalista só consegui encontrar gente que reflectisse as ideias sobre mercado e família de um João Carlos Espada e de um divulgador como João César das Neves na "família" do cinema pornográfico.Perante tal afirmação, resolvi ler o artigo desde o início. O seu nome é "Momento e Movimento", e é uma colecção de secções mais ou menos desconexas. Na segunda, "Zona de Impacte", Nuno Ramos de Almeida ataca a democracia americana:
[...] independentemente do governo que elejam, a política será, basicamente, a mesma.Já tinha ouvido esta ladaínha, aliás repetida pelo próprio Ralf Dahrendorf. Numa entrada de Maio passado, já este blogue tinha desmontado a desinformação: nas últimas eleições presidenciais dos EUA votaram 67,5% dos votantes registados e 51,3% dos cidadãos norte-americanos em idade de votar. Quanto a reflexões informadas estamos, pois, conversados.
[...] Votar para quê se, aparentemente, todos podem fazer o mesmo?
O fenómeno é amplamente conhecido nos EUA, onde o Presidente é eleito com uma minoria absoluta de votantes.
O artigo prossegue, descrevendo uma sociedade imaginária, que é preciso subverter através de uma "revolução como um vírus informático", e onde existe "a ideia de que tudo o que é humano é para embrulhar, consumir e deitar fora". Escusado será de dizer que tal sociedade só existe na mente dos opositores dos regimes liberais e capitalistas. Ao cidadão comum, liberal ou não, não lhe passa pela ideia "embrulhar, consumir e deitar fora" tudo o que é humano". Apresentado o capitalismo como um monstro destruidor e desumanizador, monstro esse que na realidade trouxe enormes melhorias no nível de vida de todos os povos que o adoptaram plenamente, passa-se à definição de uma estratégia de tomada do poder. A queda do muro de Berlim não demonstrou a falência dos modelos socialistas. Demonstrou, isso sim, a necessidade de mudar de táctica. O objectivo é o mesmo: um homem novo para uma sociedade nova. A forma de lá chegar é que é diferente:
Não existem revoluções por decreto. "Tomar o Poder" só pode ser torná-lo irreconhecível, acabar com qualquer forma de autoritarismo e permitir a participação de todos. Esta "conquista" é um processo. O poder transforma-se acabando com os seus mecanismos clássicos e reforçando a autonomia das pessoas e dos movimentos, a acção de uma multidão criativa que se modifica e que transforma. Esta criação é impossível com concepções arcaicas de dirigismo que desconfiem da autonomia dos movimentos sociais e da autodeterminação das pessoas.A forma de atingir o poder passa, pois, pelo reforço dos movimentos sociais. Como é óbvio, os movimentos espontâneos de cidadãos, os movimentos sociais, são um sinal de vitalidade de uma sociedade, como afirma Fukuyama no seu "The Great Disruption". Mas que dizer quando alguns destes movimentos são na realidade muito pouco representativos e espontâneos, e ainda menos autónomos, justamente porque incentivados por partidos que, perante a impossibilidade de tomar o poder através de eleições livres (que não excluem à partida as porteiras nem dos candidatos nem dos votantes, ao contrário dos regimes comunistas), os vêm como uma forma alternativa de chegar ao poder? Justamente que os partidos com esta estratégia estão a minar os movimentos sociais e a justificar a desconfiança relativamente à sua autonomia que, precisamente, dizem pretender combater. Desconfiança essa que não atinge apenas (nem sobretudo) os dirigentes, mas todo o cidadão pensante.
É preciso resgatar Lenine quando afirma que só haverá liberdade quando a porteira puder dirigir o estado.
Segue-se uma diatribe contra a chamada "globalização neoliberal", e a favor da agora chamada "alter-globalização". A questão, segundo o autor, é se a globalização se fará "no quadro do mercado ou da Humanidade". É uma falsa alternativa: onde há humanos há mercado, e não há mercado sem humanos. A ideia de que a globalização seria "mais humana" se excluísse o "diabólico" mercado permeia todo o artigo. Todos os argumentos são válidos para denegrir o capitalismo, incluindo os argumentos eco-milenaristas, tão bem desmontados por Lomborg: "hoje por hoje, os limites do planeta fazem da ideia de progresso a via mais rápida em direcção à catástrofe". A este propósito vale também a pena ler um livrinho muito interessante de Guy Sorman, intitulado "Le Progrès et ses Ennemis".
Reflexões inovadoras? Tudo isto é velho e revelho, e sintoma de um esquerdismo profundamente conservador.
Finalmente chegamos à pornografia. A secção do artigo intitula-se "A Pornocópia, o João Carlos Espada, o Vale da Amoreira e o Pedro Bala". Segundo o autor, "a pornografia é uma das maiores realizações da economia de mercado". Diz ele que o sucesso desta indústria, cujos lucros "ultrapassam em muito os da própria indústria de Hollywood", é fácil de explicar. Curiosamente, não apresenta a explicação, ficando o leitor com a sensação que na sua opinião tal sucesso se deve não à natureza humana masculina, mas a um qualquer efeito perverso do capitalismo. Na realidade a explicação é muito prosaica: "men have a much stronger taste for no-strings sex with multiple or anonymous partners, as we see in the almost all-male consumer base for prostitution and visual pornography", como afirma Steven Pinker, e nós já sabíamos, em "The Blank Slate".
A verdadeira razão desta digressão pela pornografia é na realidade a oportunidade para citar um actor porno entrevistado pelo autor logo após uma filmagem falhada:
Isto é bom, é sexo, mas não é verdadeiramente sexo. Esse é só aquele que fazemos na cama com a nossa mulher.Supostamente seriam afirmações desta índole que Nuno Ramos de Almeida teria ouvido apenas da boca de actores porno ou de João César das Neves e João Carlos Espada. Mas não será esta afirmação reveladora, afinal, de simples bom senso, mesmo vindo da boca de um actor porno? Ou será que Nuno Ramos de Almeida acha que as duas formas de relação sexual se equivalem?
Serão estas as reflexões sérias a que Eduardo Prado Coelho se refere?
Na Biblioteca de Babel não há plágios. Na Biblioteca de Babel todo o texto é um plágio. Felizmente, a Web nunca será uma Biblioteca de Babel: na Biblioteca de Babel há cerca de 25410×40×80 (aproximadamente 101834097) livros diferentes, mas no universo, aparentemente, não chega a haver 10100 átomos.
O Jantar da UBL Regresso ao vício demasiado tarde para poder acrescentar algo de novo às excelentes descrições do jantar da UBL:
Agradecimentos em particular à Charlotte e ao Pedro Lomba pelas amabilíssimas palavras, que não mereço, ao Pedro Mexia pelo "incentivo" (já sinto uma auréola a formar-se), e aos irmãos Miguel e João pelos elogios.
Apesar de redundante, não posso deixar de dizer que há muito não jantava em tão boa e inteligente companhia.
P.S. A Bomba Inteligente escolheu bem o nome do seu blogue: é uma bomba e é inteligente (a ordem é arbitrária).
P.P.S. Tudo o que os outros membros da UBL disseram acerca do trio d'O Complot é verdade: são surpreendentes.
- Bomba Inteligente
- O Complot
- Dicionário do Diabo
- De Direita
- Flor de Obsessão
- O Intermitente
- Tradução Simultânea
- Valete Frates !
Agradecimentos em particular à Charlotte e ao Pedro Lomba pelas amabilíssimas palavras, que não mereço, ao Pedro Mexia pelo "incentivo" (já sinto uma auréola a formar-se), e aos irmãos Miguel e João pelos elogios.
Apesar de redundante, não posso deixar de dizer que há muito não jantava em tão boa e inteligente companhia.
P.S. A Bomba Inteligente escolheu bem o nome do seu blogue: é uma bomba e é inteligente (a ordem é arbitrária).
P.P.S. Tudo o que os outros membros da UBL disseram acerca do trio d'O Complot é verdade: são surpreendentes.
Bloguirium Tremens
Bloguirium Tremens Já lá vão duas semanas de abstînência. Os sintomas são horríveis*: agitação, nervoso, ansiedade, irritabilidade, depressão, fadiga, pensamento enovoado, palpitações, dores de cabeça, suores, náuseas, falta de apetite, insónia, pesadelos, alucinações, tremuras, ataques... Impossível resistir mais tempo. O vício chama.
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