Na minha curta vida de jornalista só consegui encontrar gente que reflectisse as ideias sobre mercado e família de um João Carlos Espada e de um divulgador como João César das Neves na "família" do cinema pornográfico.Perante tal afirmação, resolvi ler o artigo desde o início. O seu nome é "Momento e Movimento", e é uma colecção de secções mais ou menos desconexas. Na segunda, "Zona de Impacte", Nuno Ramos de Almeida ataca a democracia americana:
[...] independentemente do governo que elejam, a política será, basicamente, a mesma.Já tinha ouvido esta ladaínha, aliás repetida pelo próprio Ralf Dahrendorf. Numa entrada de Maio passado, já este blogue tinha desmontado a desinformação: nas últimas eleições presidenciais dos EUA votaram 67,5% dos votantes registados e 51,3% dos cidadãos norte-americanos em idade de votar. Quanto a reflexões informadas estamos, pois, conversados.
[...] Votar para quê se, aparentemente, todos podem fazer o mesmo?
O fenómeno é amplamente conhecido nos EUA, onde o Presidente é eleito com uma minoria absoluta de votantes.
O artigo prossegue, descrevendo uma sociedade imaginária, que é preciso subverter através de uma "revolução como um vírus informático", e onde existe "a ideia de que tudo o que é humano é para embrulhar, consumir e deitar fora". Escusado será de dizer que tal sociedade só existe na mente dos opositores dos regimes liberais e capitalistas. Ao cidadão comum, liberal ou não, não lhe passa pela ideia "embrulhar, consumir e deitar fora" tudo o que é humano". Apresentado o capitalismo como um monstro destruidor e desumanizador, monstro esse que na realidade trouxe enormes melhorias no nível de vida de todos os povos que o adoptaram plenamente, passa-se à definição de uma estratégia de tomada do poder. A queda do muro de Berlim não demonstrou a falência dos modelos socialistas. Demonstrou, isso sim, a necessidade de mudar de táctica. O objectivo é o mesmo: um homem novo para uma sociedade nova. A forma de lá chegar é que é diferente:
Não existem revoluções por decreto. "Tomar o Poder" só pode ser torná-lo irreconhecível, acabar com qualquer forma de autoritarismo e permitir a participação de todos. Esta "conquista" é um processo. O poder transforma-se acabando com os seus mecanismos clássicos e reforçando a autonomia das pessoas e dos movimentos, a acção de uma multidão criativa que se modifica e que transforma. Esta criação é impossível com concepções arcaicas de dirigismo que desconfiem da autonomia dos movimentos sociais e da autodeterminação das pessoas.A forma de atingir o poder passa, pois, pelo reforço dos movimentos sociais. Como é óbvio, os movimentos espontâneos de cidadãos, os movimentos sociais, são um sinal de vitalidade de uma sociedade, como afirma Fukuyama no seu "The Great Disruption". Mas que dizer quando alguns destes movimentos são na realidade muito pouco representativos e espontâneos, e ainda menos autónomos, justamente porque incentivados por partidos que, perante a impossibilidade de tomar o poder através de eleições livres (que não excluem à partida as porteiras nem dos candidatos nem dos votantes, ao contrário dos regimes comunistas), os vêm como uma forma alternativa de chegar ao poder? Justamente que os partidos com esta estratégia estão a minar os movimentos sociais e a justificar a desconfiança relativamente à sua autonomia que, precisamente, dizem pretender combater. Desconfiança essa que não atinge apenas (nem sobretudo) os dirigentes, mas todo o cidadão pensante.
É preciso resgatar Lenine quando afirma que só haverá liberdade quando a porteira puder dirigir o estado.
Segue-se uma diatribe contra a chamada "globalização neoliberal", e a favor da agora chamada "alter-globalização". A questão, segundo o autor, é se a globalização se fará "no quadro do mercado ou da Humanidade". É uma falsa alternativa: onde há humanos há mercado, e não há mercado sem humanos. A ideia de que a globalização seria "mais humana" se excluísse o "diabólico" mercado permeia todo o artigo. Todos os argumentos são válidos para denegrir o capitalismo, incluindo os argumentos eco-milenaristas, tão bem desmontados por Lomborg: "hoje por hoje, os limites do planeta fazem da ideia de progresso a via mais rápida em direcção à catástrofe". A este propósito vale também a pena ler um livrinho muito interessante de Guy Sorman, intitulado "Le Progrès et ses Ennemis".
Reflexões inovadoras? Tudo isto é velho e revelho, e sintoma de um esquerdismo profundamente conservador.
Finalmente chegamos à pornografia. A secção do artigo intitula-se "A Pornocópia, o João Carlos Espada, o Vale da Amoreira e o Pedro Bala". Segundo o autor, "a pornografia é uma das maiores realizações da economia de mercado". Diz ele que o sucesso desta indústria, cujos lucros "ultrapassam em muito os da própria indústria de Hollywood", é fácil de explicar. Curiosamente, não apresenta a explicação, ficando o leitor com a sensação que na sua opinião tal sucesso se deve não à natureza humana masculina, mas a um qualquer efeito perverso do capitalismo. Na realidade a explicação é muito prosaica: "men have a much stronger taste for no-strings sex with multiple or anonymous partners, as we see in the almost all-male consumer base for prostitution and visual pornography", como afirma Steven Pinker, e nós já sabíamos, em "The Blank Slate".
A verdadeira razão desta digressão pela pornografia é na realidade a oportunidade para citar um actor porno entrevistado pelo autor logo após uma filmagem falhada:
Isto é bom, é sexo, mas não é verdadeiramente sexo. Esse é só aquele que fazemos na cama com a nossa mulher.Supostamente seriam afirmações desta índole que Nuno Ramos de Almeida teria ouvido apenas da boca de actores porno ou de João César das Neves e João Carlos Espada. Mas não será esta afirmação reveladora, afinal, de simples bom senso, mesmo vindo da boca de um actor porno? Ou será que Nuno Ramos de Almeida acha que as duas formas de relação sexual se equivalem?
Serão estas as reflexões sérias a que Eduardo Prado Coelho se refere?
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