2003-07-28

Porque nos Matamos na Estrada Recebi um convite para o lançamento de um livro com este nome, escrito por Luís Reto e Jorge Sá. Marquei o evento na minha agenda e decidi que não só estaria presente, como também compraria o livro. Ontem comprei o Expresso*: na página 58 da revista Única [e não Actual, como escrevi inicialmente] vinham extractos do livro. Li-os com o interesse acrescido de ser um associado convicto (embora ultimamente demasiado ausente) da ACA-M:
De facto, a velocidade é, como vimos, a transgressão que os condutores portugueses mais admitem praticar, mas que, no entanto, estes não destacam particularmente entre as causa de acidentes, num mecanismo de evidente desculpabilização.

Esta vivência paradoxal da velocidade insere-se numa dimensão profunda das sociedades actuais. Com efeito, é de todos bem conhecido que as nossas sociedades contemporâneas elegeram a velocidade como um dos principais valores. A velocidade, tal como afirma Fiorella Toro (2002), é uma «manifestação de potência, um meio competitivo de diferenciação, uma fonte geradora de produtividade e de mobilidade e, sobretudo, uma componente essencial da gestão do tempo».

Por sua vez, em contraponto, a segurança, que a velocidade põe em risco, é um valor preponderante do Estado, que reivindicamos deste em permanência, mas cuja intervenção rejeitamos sempre que erigimos, como valor primeiro, a nossa liberdade individual.

É devido a esta contradição, que, aliás, os processos de mundialiação e consequente aumento de competitividade não param de agudizar, que se torna particularmente difícil fazer com que os condutores aceitem e interiorizem que a velocidade constitui uma das principais causas dos acidentes rodoviários.
É inteiramente verdade que os portugueses se recusam a admitir a importância da velocidade como potenciadora não só do acidente como da sua gravidade. Aceito que a velocidade seja vista por muitos como um valor e até que isso seja uma característica das sociedades contemporâneas (embora "contemporâneas" aqui tenha provavelmente de abranger mais do que um século). Já me custa mais a admitir a afirmação de que a segurança é um valor preponderante do Estado, por oposição aos indivíduos, e que entre em conflito com a liberdade individual, mesmo quando esta é um "valor primeiro", pois uma verdadeira liberdade implica responsabilidade: na minha opinião não é a liberdade individual que entra em conflito com a segurança, mas sim a irresponsabilidade, pois o que está em causa é, acima de tudo, a vida dos outros utentes da estrada. Agora o que já me parece entrar no domínio da obsessão, é a sugestão de que a mundialização (leia-se "globalização") tem alguma coisa a ver com isto.

Enfim, esperemos pela oportunidade de ler o livro na íntegra. Para já, saúdo a iniciativa dos autores de abordarem este tema que me é caro.

* Sim, sou desses que compram religiosamente o Expresso mas que o lêem entre praguejos e invectivas.

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