2003-07-12

Defesa do Iluminismo? José Miguel Júdice assina no Público um artigo em defesa do iluminismo. O artigo é interessante e na generalidade certeiro. Mas há alguns pontos com os quais não posso concordar. Quando José Miguel Júdice diz que o facto de 71% dos portugueses acharem que "se as leis não forem 'justas e lógicas' não são para cumprir" é assustador e muito perigoso para o Estado de Direito, concordo plenamente. Creio mesmo que a nossa "flexibilidade" na interpretação da lei, "flexibilidade" essa que se estende a quem é suposto fazê-a cumprir, é um dos nossos factores de atraso civilizacional. Mas José Miguel Júdice afirma que o mesmo perigo para o estado de direito decorre também de "79% [dos portugueses acharem] que quem abuse sexualmente de menores deve ter penas superiores ao máximo legal (entre os quais 53% querem a pena de morte ou a prisão perpétua!) e [de] 81% também [quererem] mais de 25 anos de prisão para homicídios". Ora, não faz sentido afirmar que a pena máxima de 25 anos corresponde à fronteira entre a civilização e a barbárie (José Miguel Júdice diz que tais opiniões revelam um "arcaísmo regressivo"). Quantos países mais civilizados que o nosso têm penas máximas superiores e mesmo prisão perpétua ou até pena de morte? Será que 25 anos de prisão para um homicida é apropriado, mas 30 são já uma "punição selvática"? Pessoalmente sou contra a pena de morte, mas não me parece saudável pôr a questão nos termos em que José Miguel Júdice a põe. Até porque a premissa por trás da imposição de uma pena máxima, apoiada implicitamente por José Miguel Júdice, é a de que todos os criminosos são regeneráveis e por isso socialmente reintegráveis. Recorro de novo a Steven Pinker, e ao seu The Blank Slate, onde se analisam estudos que parecem demonstrar em certos casos a regeneração pode ser impossível. A questão civilizacional, ao contrário do que José Miguel Júdice diz, está muito menos nas penas máximas previstas pela lei, e muito mais na sua aplicação prática. Enquanto em Portugal os períodos de prisão preventiva efectivos se forem prolongando, mais a mais sem possibilidade de defesa por parte do arguido, estaremos muito mais em estado de "barbárie" do que noutros países onde a pena perpétua (ou mesmo a pena de morte) existe e é aplicada.

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