2003-08-02

Delírios sobre a Terra e o Sol

Calor. Hoje invejo todos os animais com habitações subterrâneas. Invejo os coelhos. Invejo as toupeiras. A Terra, à superfície, traiu-me. Só nas profundezas mantém a sua eterna frescura. A crosta terrestre ferve. Os mosaicos e os mármores, perversos, aquecem os pés que prometiam arrefecer. Os tubos metálicos da cadeira não se sentem. Negam-se a transmitir aquele arrepio agradável que nunca recusaram até hoje. Os braços, sobre a madeira quente da secretária, deslizam sobre uma camada de suor. Toda a roupa abafa, queima, sufoca. Tirá-la é uma obrigação. Tirá-la é uma desilusão: o ar quente envolve a pele, antes protegida pelo tecido, e parece aquecê-la mais.

A entrada do prédio mantém a sua frescura virginal. Que me impede de lá dormir? Estúpido pudor. A clarabóia, no alto, liberta o ar quente para os céus. A Terra, em baixo, transmite lentamente a sua frescura aos únicos mármores que se me mantêm fieis. Todos os esforços para repelir o Sol, o repelente Sol, que tantos adoram, falharam. "Hoje está bom tempo", dizem, insensíveis criminosos arraçados de lagartos. Tenham dó de um nórdico desterrado! De um amante do vento forte, sobre um mar gelado! Do gelo. Das montanhas.

Saímos do cinema à meia-noite. O ar quente atingiu-nos, violento. O Sheraton ali tão perto... os seus ares condicionados cantavam qual sereias. Porque não me deixei encantar?

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