2004-03-19

Actualização

O Público cita algumas das afirmações de Mário Soares na conferência de ontem:
Para fazer a paz não vale a pena falar com os que fazem a guerra? ... Como conseguimos a paz nas ex-colónias? Tivemos que falar com os que faziam a guerra, na altura também considerados terroristas ... Há hoje dúvidas no mundo inteiro e nos próprios Estados Unidos acerca da eficácia e da adequação da sua luta antiterrorismo, com a ajuda de outros Estados, até agora, o Reino Unido, a Itália e a Espanha. ... Quais são os objectivos Al-Qaeda? O que os motiva? ... A pobreza, as dificuldades sociais e o desemprego [levam os muçulmanos para as esolas corânicas]. ... Há uma galáxia que não conhecemos bem e a única maneira é tentar percebê-la. Perceber o outro é fundamental. ... Esmagando-os não chegamos a lado nenhum. Não podemos matar um terço da humanidade. ... Se fosse necessário falar com Hitler para evitar um ano de guerra, valia a pena. ... Se mudar a Administração norte-americana [será possível um entendimento entre os Estados Unidos e a Al Qaeda]. ... Se é o Osama bin Laden o responsável pelo 11 de Setembro, os Estados Unidos da América têm como falar com ele. Era amigo da família Bush.
Algumas notas:
  1. Tenho alguma relutância em usar a palavra "guerra" para descrever o que a Al Qaeda faz. Mas admitamos que sim. Será que, para fazer a paz, vale a pena falar com a Al Qaeda? A resposta não pode ser senão negativa. Por vezes a paz faz-se fazendo a guerra. A Al Qaeda tem de ser aniquilada, simplesmente.
  2. Nas ex-colónias conseguimos a paz? Talvez para nós, continentais. Os povos das ex-colónias lá estão para nos contar que tipo de paz fizemos nós com tanta conversa.
  3. Salvo excessos de parte a parte, a guerra colonial foi isso mesmo: uma guerra. Guerrilheiros contra soldados. A palavra "terrorista" sofreu muitos abusos, mas no caso da Al Qaeda está muito bem aplicada.
  4. Há dúvidas sobre a guerra ao terrorismo? Claro que há. Muitas e legítimas. Mas propor o diálogo com quem ordenou o assassínio de milhares de civis não é uma alternativa. É uma capitulação. Uma cobardia.
  5. É importante conhecer a Al Qaeda? Claro! Como é importante conhecer a mente de um psicopata. Não para negociar ou conversar com ele. Mas para melhor o dominar, para melhor o vencer, para o poder punir, para fazer justiça.
  6. Esmagar os muçulmanos? Matar um terço da humanidade? De que fala Mário Soares? Quem propôs semelhante coisa?
As restantes afirmações são demasiado repugnantes para merecerem comentário.

Dialogar com a Al Qaeda?

Segundo ouvi agora na TSF, Mário Soares terá dito que devemos dialogar com a Al Qaeda. Terá mesmo dito que dialogar com Hitler teria sido apropriado se se evitasse um ano de guerra. A capitulação é total. Mário Soares perdeu, com tais afirmações, o pouco crédito que ainda me merecia. Um estado liberal e democrático só tem uma forma de agir perante terroristas: persegui-los, prendê-los e julgá-los. É essa a sua única forma aceitável de "diálogo".

2004-03-17

Pois...

O ABC revela um comunicado em que as brigadas de Abi Hafs el Masri voltam a reclamar a autoria do massacre de 11 de Março em Madrid e em que anunciam a suspensão dos ataques em Espanha, dados os resultados das eleições: "la dirección de Al Qaeda detendrá estas acciones en España hasta que conozcamos las tendencias del nuevo gobierno, que ha prometido la retirada del ejército español de Irak y comprobemos que no interviene en los asuntos de los musulmanes". Zapatero deve estar orgulhoso com tamanha vitória na guerra contra o terrorismo.

(Via O Comprometido Espectador.)

Colectivismo?

João Miranda chama a atenção dos que têm criticado a Espanha dizendo que adoptam uma atitude "profundamente colectivista". Acho que se engana. A maioria dos críticos da vitória de Zapatero não põem em causa a sua eleição perfeitamente democrática e legítima. Limitam-se a observar como, aos olhos da Al Qaeda, os atentados terão o efeito pretendido: retirar as tropas espanholas do Iraque. Para a Al Qaeda, e para muitos potenciais terroristas, tornou-se evidente que os massacres funcionam, mesmo que ninguém individualmente possa ser acusado de negociar com terroristas. O problema é justamente que a relação causa-efeito (massacre - futura retirada do Iraque) surgiu por intermédio de uma decisão "colectiva" feita de um agregado de decisões individuais, que provavelmente tiveram mais em conta as supostas ocultações da verdade por parte do governo de Aznar do que o desejo de retirar do Iraque para sair da atenção dos terroristas. Não discuto, ao contrário do próprio João Miranda, quais são os interesses da Espanha. A Espanha não tem interesses, quem os tem são os espanhóis. Foi a soma destes interesses individuais e divergentes que resultou na vitória de Zapatero. Estou firme e democraticamente convencido que foi um mau resultado, com péssimas consequências no combate ao terrorismo, e que muitos espanhóis o virão a lamentar.

2004-03-15

España ou a cobardia democrática

Zapatero prometeu a retirada das tropas espanholas do Iraque em Junho, caso vencesse as eleições e a ONU não tomasse conta da situação nessa altura (ver programa eleitoral do PSOE). Como a promessa foi feita antes dos ataques terroristas, o seu cumprimento não poderá ser visto como uma resposta à barbárie de 11 de Março. Os espanhóis também não ficarão com peso de consciência. Afinal, votaram no PSOE para penalizar aquilo que viram como uma manipulação do governo de Aznar, ao começar por atribuir a responsabilidade da barbárie à ETA. Esquecem que muitos, quase todos, face às detenções recentes de membros da ETA que levavam consigo 500 kg de explosivos para os colocar numa estação de comboios, começaram por ter essa mesma convicção, que de resto não partilhei. Esquecem que o governo de Aznar, no Sábado, face aos indícios entretanto surgidos, já atribuía maior probabilidade à pista da Al Qaeda, anunciando mesmo a detenção de cinco cidadãos de origem marroquina e indiana. Sem que ninguém assuma essa escolha, sem que ninguém se considere responsável, a Espanha escolheu democraticamente a cobardia. A Espanha claudicará face à Al Qaeda. A Espanha, sem que ninguém tenha negociado com terroristas, agirá como se isso tivesse sido feito. Bin Laden ganhou, mesmo que ainda se venha a descobrir a mão da ETA neste assassínio em massa.

Ou talvez não. Talvez Zapatero encontre justificação para se manter no Iraque. Esperemos que sim.